Bolsonaro faz discurso agressivo perante apoiantes do regresso da ditadura
“Não queremos negociar nada”, afirmou o Presidente brasileiro no domingo, durante uma manifestação que voltou a violar as regras de isolamento social para conter a covid-19. Chovem críticas ao seu comportamento.
O Presidente brasileiro, Jair Bolsonaro, voltou a desafiar as recomendações sobre o isolamento social para conter a pandemia e discursou de improviso para centenas de apoiantes que se deslocaram a Brasília no domingo.
O chefe de Estado usou palavras fortes num discurso que foi qualificado como “golpista” por outros dirigentes políticos. “Acabou a época da patifaria, é agora o povo no poder”, afirmou Bolsonaro perante centenas de pessoas que se aglomeravam diante do quartel-general do Exército para assinalar o dia da instituição. Entre os manifestantes, muitos defendiam uma intervenção militar e a aplicação de medidas repressoras da época da ditadura militar, como o AI-5 (Acto Institucional 5).
“Nós não queremos negociar nada, nós queremos acção pelo Brasil”, declarou o Presidente. Bolsonaro não visou nenhum dos seus adversários políticos concretamente, mas, como é habitual, os seus slogans dirigem-se a toda a classe política e, de acordo com a generalidade dos observadores, as suas palavras estão muito perto do incentivo directo a uma revolta contra as instituições democráticas.
“O que tinha de velho ficou para trás. Nós temos um novo Brasil pela frente. Todos no Brasil têm que entender que estão submissos à vontade do povo brasileiro”, continuou. Durante a sua declaração, Bolsonaro tossiu várias vezes e voltou a cumprimentar algumas pessoas, violando as recomendações da Organização Mundial da Saúde (OMS) e do seu próprio Governo.
Noutras cidades brasileiras foram convocadas acções semelhantes, como desfiles de carro e buzinões, em protesto contra as medidas de isolamento que continuam em vigor na maioria dos estados e para mostrar apoio a Bolsonaro.
Avalanche de críticas
O discurso do Presidente mereceu o repúdio generalizado da classe política, tanto pelo seu conteúdo como por promover mais uma aglomeração de pessoas, numa altura em que a pandemia do novo coronavírus continua a espalhar-se pelo Brasil. Enquanto Bolsonaro falava, divulgava-se o novo balanço: 38.654 casos e 2462 mortes.
Um dos principais críticos foi o presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia, que disse repudiar “qualquer acto que defenda a ditadura”. “Não temos tempo a perder com retóricas golpistas. É urgente continuar ajudando os mais pobres, os que estão doentes esperando tratamento em UTI [unidades de cuidados intensivos] e trabalhar para manter os empregos. Não há caminho fora da democracia”, declarou Maia.
O governador de São Paulo, João Doria, também considerou “lamentável” a participação de Bolsonaro na manifestação, tal como o seu homólogo do Rio de Janeiro, Wilson Witzel, que afirmou que “democracia não é o que o Presidente Bolsonaro pratica”. Os dois foram bastante criticados por Bolsonaro por causa das medidas de isolamento social e encerramento de estabelecimentos comerciais que impuseram para conter o coronavírus.
Em mais uma demonstração de força e unidade, 20 governadores subscreveram uma carta em defesa das instituições democráticas em virtude das declarações de Bolsonaro, “afrontando princípios democráticos”.
Juízes do Supremo Tribunal Federal (STF), outra das instituições habitualmente na mira de Bolsonaro, também condenaram as declarações do chefe de Estado. “Só pode desejar intervenção militar quem perdeu a fé no futuro e sonha com um passado que nunca houve”, afirmou o juiz Luís Roberto Barroso, em declarações à Folha de São Paulo. O juiz Gilmar Mendes disse que “invocar o AI-5 e o regresso da ditadura é rasgar o compromisso com a Constituição e com a ordem democrática”.
Apesar da posição cada vez mais radical de Bolsonaro em relação às políticas de combate à epidemia – que culminou com a demissão do ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, na semana passada –, os brasileiros apoiam as medidas de isolamento, de acordo com as sondagens mais recentes.