Médico do caso do bebé sem rosto. Ordem dos médicos arquivou uma das queixas contra obstetra
Conselho Disciplinar conclui que malformações detectadas no bebé às 31 semanas deviam ter sido observadas às 19, mas arquivou o caso porque o prazo já estava prescrito. Mais quatro mulheres apresentaram queixa à Ordem e ao Ministério Público.
O Conselho Disciplinar Regional do Sul da Ordem dos Médicos já arquivou, em Janeiro deste ano, uma das queixas contra o obstetra Artur Carvalho, que ficou conhecido depois de ter sido noticiado o caso do bebé que nasceu sem partes do rosto, em Setúbal, a sete de Outubro do ano passado.
O processo disciplinar que foi arquivado por prescrição do prazo, refere-se a outro caso: ao de uma grávida que se queixa que o médico Artur Carvalho não terá detectado atempadamente que o seu bebé tinha uma malformação no cérebro e teve de abortar quando a gravidez já estava muito avançada.
Na análise que fez ao caso, o Conselho Disciplinar constatou que as malformações que foram detectadas apenas às 31 semanas de gravidez e que levaram à sua interrupção, deviam ter sido observadas às 19 semanas.
Porém, como a queixa se reporta a factos que ocorreram em 2010 e a mesma só chegou à Ordem dos Médicos a 25 de Outubro de 2019, ou seja, o caso já tinha mais de nove anos, o Conselho Disciplinar viu-se obrigado ao seu arquivamento.
Na proposta de arquivamento lê-se que o “relator do presente processo analisou atentamente toda a documentação clínica junta pela participante relativa ao bebé, nomeadamente as ecografias feitas pelo médico, só tendo este detectado o síndroma de Dandy-Walker a 18/08/2010, na ecografia das 31 semanas, quando tais alterações deveriam, em princípio, ter sido detectadas ou excluídas na ecografia das 19 semanas e três dias, que completa o estudo morfológico do feto”.
E depois explica que “a situação acabou por ter que ser resolvida através de uma interrupção médica da gravidez, já numa fase muito avançada da gestação, com todos os problemas físicos, psicológicos e emocionais daí resultantes para a grávida”.
O relator relembra os prazos para a apresentação das queixas. “Quando a participação deu entrada na Ordem dos Médicos já há muito que tinha sido ultrapassado o prazo de prescrição de três anos fixado no artigo 9.º do n.º 1 do Regulamento Disciplinar dos Médicos na altura em vigor, estando também ultrapassado o prazo de prescrição de cinco anos previsto no artigo 6 do n.º 1 do actual Regulamento disciplinar”, lê-se na proposta de arquivamento.
É por isso que o relator do processo disciplinar escreve que “atendendo à prescrição” vê-se “na contingência de ter que propor ao Conselho Disciplinar Regional do Sul o arquivamento do presente processo disciplinar”.
O conselho disciplinar aceitou os argumentos e arquivou o processo. A queixosa recebeu o arquivamento do processo apenas em Fevereiro e, em resposta à Ordem dos Médicos no âmbito do processo disciplinar, lamentou que “numa situação de erro clínico comprovado” como acha que é o seu caso, “e de outros que, entretanto, expuseram as suas situações”, exista um prazo legal de três ou cinco anos a limitar a Justiça.
Para a mulher, “situações que envolvem riscos de vida ou até a morte não deveriam ter nunca um prazo para aplicação de Justiça”.
E diz mesmo que nunca foi sua “intenção obter qualquer tipo de benefício com este processo”. “Queria o meu filho”, diz, acrescentando que tal como ela, outros pais, que “corajosamente expuseram as suas situações e reviveram emoções, só o fizeram agora porque, na altura, acharam que seriam casos únicos e nunca que fariam parte de tantos outros episódios na vida deste médico”.
Além disso, conta que tentou expor o seu caso, mas uma advogada, na altura, explicou-lhe os custos e os anos que poderia demorar. Pediu apoio jurídico da Segurança Social que lhe foi negado e alega que apresentou queixa à Administração Regional de Saúde que nunca respondeu. Nem os médicos que a seguiram depois alguma vez lhe disseram como podia apresentar queixa contra o obstetra. “Sim. Porque há 10 anos tudo era diferente”, lamenta.
18 queixas contra o obstetra
O caso desta mulher não é único. Em Dezembro, o bastonário da Ordem dos Médicos, Miguel Guimarães dava conta de que existiam 14 queixas contra o Obstetra Artur Carvalho. Já em Janeiro, deram entrada mais quatro: dois casos referem-se a 2010 e outros dois a 2016. O PÚBLICO sabe que estas quatro mulheres que apresentaram queixa na Ordem em Janeiro, avançaram agora com uma queixa-crime no Ministério Público. Em todos os casos os bebés nasceram com malformações graves, em alguns foram submetidos a várias cirurgias. Sobreviveram, mas vivem com problemas.
Paulo Edson Cunha, o advogado que representa as quatro famílias, diz que avançou com a queixa porque, “independentemente do eventual arquivamento por parte da Ordem dos Médicos, por causa dos prazos de prescrição”, entende que deve ser feita justiça.
Além disso, no seu entender, “os casos podem ser de 2010 e 2016, mas há factos novos que fundamentam o seguimento dos processos”. “É facto novo o facto destas famílias apenas terem percebido o que lhes aconteceu e que podem ter sido alvo de uma negligência, quando foi tornado público o caso do bebé sem rosto”, explicou. Numa altura “em que a sociedade está tão empenhada em demonstrar o apoio aos médicos, pugnamos para que a Ordem não permita que a actuação deste obstetra manche a imagem e a reputação dos restantes profissionais”. “Estas famílias incumbiram-me de tentar fazer justiça e eu vou tentar”, disse.
O médico Artur Carvalho, que o PÚBLICO não conseguiu contactar, foi suspenso de funções por um prazo de seis meses. Esse prazo termina a 26 de Abril. O Conselho Disciplinar está a trabalhar para concluir o processo disciplinar que visa o médico antes dessa data. A decisão deverá ser conhecida nos próximos dias.