Abuso no contrato a prazo eleva risco de desemprego após o layoff

Desde 2013, 76% do emprego criado no privado assentou em vínculos precários. Em especial em sectores que agora são os mais afectados pela travagem abrupta da economia.

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Nelson Garrido/Arquivo

Um inquérito realizado no fim do mês de Março e que recolheu respostas de mais de 11 mil portugueses mostra que “a principal incerteza” na cabeça destes trabalhadores é se o layoff será “a antecâmara do desemprego”.

O estudo Trabalho e Desigualdades no Grande Confinamento – perda de rendimento e transição para o teletrabalho tem conclusões que, no mínimo, obrigarão a muita reflexão. A mais importante, em termos de emprego, aponta para os riscos agora inerentes ao abuso do contrato a prazo nas empresas portuguesas. Esta forma de contratação cresceu muito em Portugal, depois da Grande Recessão. O chamado Grande Confinamento pode atirar muitos dos precários para o desemprego.

“Se os cenários macroeconómicos mais pessimistas se confirmarem, uma parte das empresas em layoff não retomarão a actividade e os trabalhadores passarão à situação de desemprego”, destaca a equipa do Colabor, o Laboratório Colaborativo para o Trabalho, Emprego e Protecção Social, que acaba de divulgar as conclusões.

Os autores destacam que, em 2018, mais de um terço dos trabalhadores do sector privado tinha um contrato de trabalho não permanente. Comparando com os parceiros europeus, “Portugal é um dos países em que a incidência da contratação a termo é mais elevada no conjunto da economia”.

A estatística mostra que 76% do emprego líquido criado no sector privado nos últimos seis anos assentou em vínculos precários. Isto apesar de o Código do Trabalho prever que este tipo de contratação é uma “excepção para ser usada apenas em circunstâncias bastante delimitadas”. Porém, “a precariedade é cada vez mais a regra”. Tal “dever-se-á a abusos e fraudes, mas também ao avanço do peso das actividades económicas sazonais”.

E agora vê-se que “um em cada quatro trabalhadores em layoff está no alojamento e na restauração, precisamente os sectores em que, de acordo com o Banco de Portugal e o INE, têm encerrado mais empresas”.

“Apesar das dinâmicas de emprego positivas, as fragilidades que caracterizavam a economia portuguesa e o perfil do emprego até 2008 não desapareceram a seguir à crise. Acentuaram-se até, em certos aspectos, e vão emergir de forma particularmente aguda na sequência da actual pandemia.”

O que está aqui em causa é que depois da Grande Recessão, entre 2013 e 2018, foram criados perto de 500 mil postos de trabalho, com destaque para o sector do alojamento e da restauração (75.300 empregos, um aumento de 45,2%).

Só depois vem a indústria transformadora, com um número absoluto de empregos maior (92.4000), mas uma taxa de crescimento inferior, de 17,1%, que fica “abaixo da média de 20,7% para o total do emprego”.

O problema é que “enquanto as indústrias transformadoras perderam peso no total do emprego (-0,7 p.p.), o sector do alojamento e restauração aumentou o seu peso relativo em 1,4 p.p”. E, “como seria de esperar”, alojamento e restauração são, “de forma destacada”, os mais afectados pela actual crise.

Sabe-se também que o layoff se distribui “de forma bastante assimétrica”. O alojamento, a restauração e o comércio destacam-se claramente dos demais. Representam entre si quase metade do total das 70 mil empresas com layoff registadas até 14 de Abril.

A equipa recorreu aos dados divulgados pelo Governo esta semana, já noticiados pelo PÚBLICO. Mas inclui uma comparação que torna ainda mais notória esta assimetria.

Alojamento, restauração e similares representam menos de 15% das empresas nacionais, mas são líderes destacados no recurso ao layoff, representando mais de 25% do total. Em sentido contrário, sectores como comércio, indústria transformadora ou construção, têm mais peso no tecido empresarial no seu todo do que no universo das entidades empregadoras que decidiram enfrentar a crise em curso mandando trabalhadores para casa.

Porém, os problemas poderão estender-se no tecido económico e no tempo. Isto porque, como os autores enfatizam, a quebra no turismo terá um “efeito dominó negativo” sobre o emprego, afectando outras actividades associadas. Aliando isto à “persistência dos baixos salários (mesmo que atenuada pelos aumentos do salário mínimo) e [a]os baixos rendimentos, em particular de uma parte significativa dos trabalhadores independentes, fica traçado o quadro de profunda crise social que se aproxima”, alertam.

A amostra deste estudo não é representativa da população nacional, pelo que não é possível extrair inferências. Ainda assim, os resultados permitem analisar “as relações entre determinados atributos dos inquiridos e as suas opiniões e comportamentos” e o “discurso directo, em relação a algumas perguntas de resposta aberta incluídas no inquérito”.

O inquérito realizou-se entre 25 e 29 de Março de 2020, junto de uma “amostra de conveniência” de cerca de 11.500 inquiridos, em que estão sobre representadas as mulheres e os licenciados ou pessoas com formação superior, face à realidade da população residente.

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