Defesa de Rui Pinto preocupada com escolha de juiz adepto do Benfica

Paulo Registo, magistrado do Tribunal Central Criminal de Lisboa, que também integra o colectivo de juízes do processo e-toupeira, foi sorteado para julgar o hacker português acusado de 90 crimes. A sua ligação aos “encarnados” como adepto deixou a defesa incrédula.

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Rui Pinto aguarda a data do início do seu julgamento LUSA/MÁRIO CRUZ

Foi com alguma incredulidade que a defesa de Rui Pinto recebeu esta sexta-feira a notícia de que Paulo Registo, juiz do Tribunal Central Criminal de Lisboa, que irá julgar o processo do criador do Football Leaks, é um confesso adepto do Benfica. Várias fotos de posts seus ou por si partilhados no Facebook – e que entretanto foram apagados – alusivos ao clube da Luz surgiram publicadas nas redes sociais. O magistrado está também envolvido no julgamento do processo e-toupeira, que implica um antigo director do clube “encarnado”.

“É uma situação extremamente preocupante”, confessou ao PÚBLICO Francisco Teixeira da Mota (advogado do PÚBLICO), um dos advogados de Rui Pinto. “Vou reunir com o Rui Pinto e com os outros elementos da defesa para analisar a situação e decidir o que fazer”, adiantou.

Paulo Registo foi sorteado na última terça-feira para presidir a um colectivo de juízes, do qual fazem ainda parte Ana Paula Conceição e Helena Leitão, que irá julgar Rui Pinto (em data ainda a determinar), acusado de 90 crimes.

Este é o mesmo colectivo que vai julgar o processo e-toupeira (que aguarda decisão referente a um recurso pendente), no qual o principal arguido é Paulo Gonçalves, ex-assessor jurídico da SAD (Sociedade Anónima Desportiva) do Benfica, cargo que abandonou no âmbito deste processo. Neste caso, a juíza titular será Ana Paula Conceição.

O sorteio de Paulo Registo foi confirmado ao PÚBLICO por Francisco Teixeira da Mota, já que a defesa de Rui Pinto, representada pela advogada Luísa Teixeira da Mota, esteve presente no sorteio de terça-feira no Campus da Justiça, em Lisboa. O outro advogado do hacker português é o francês William Bourdon, que já defendeu Julian Assange (WikiLeaks), Hervé Falciani (Swissleaks), Antoine Deltour (Luxleaks) e Edward Snowden, entre outros.

Posts polémicos

O que a defesa de Rui Pinto não sabia era a ligação de Paulo Registo ao Benfica, como adepto. Esta sexta-feira de manhã começaram a circular nas redes sociais fotos com alguns posts de Facebook do juiz alusivos a esta simpatia clubística activa. Os registos originais terão sido, entretanto, removidos ou deixaram de estar visíveis. Num deles, o juiz partilha uma publicação intitulada “Ser Benfiquista É ser Especial”, que critica a arbitragem do clássico FC Porto-Benfica (3-2), disputado a 8 de Fevereiro, relativo à 20.ª jornada da Liga desta temporada.

No mesmo post, publicado a 10 de Fevereiro, exige-se a saída do actual presidente do Conselho de Arbitragem da Federação Portuguesa de Futebol, com o comentário “Fontelas Gomes cbrao [sic] pede a demissão”.

A escolha de Paulo Registo motivou também a indignação de Ana Gomes. “Não dá para acreditar!”, reagiu na sua conta na rede social Twitter a antiga eurodeputada, que tem defendido a libertação de Rui Pinto. “Quando é que o Conselho Superior da Magistratura vai extrair consequências da investigação sem sorteios de juízes? Que filtros são metidos no algoritmo? Saem os juízes de baixa e entram só fãs do SLB [Sport Lisboa e Benfica] para julgamentos como o e-toupeira (a aboborar...) e o de Rui Pinto??? Registo??? Registamos!”, ironizou.

Já a juíza presidente da comarca de Lisboa, Amélia Almeida, garantiu ao PÚBLICO que a distribuição deste processo “foi electrónica e pública”, referindo que Paulo Registo não irá pronunciar-se sobre este assunto.

Para além de criador da plataforma de denuncia Football Leaks, o hacker português é ainda acusado de ter sido o mentor do blogue Mercado de Benfica. Aqui foram divulgados emails e ficheiros de vários processos judiciais onde os “encarnados” estavam envolvidos, inclusivamente elementos relativos ao e-toupeira.

Mais recentemente, Rui Pinto – também responsável pelas revelações do Luanda Leaks, envolvendo Isabel dos Santos, filha do antigo presidente de Angola José Eduardo dos Santos  acusou directamente o clube da Luz de ser “um polvo de influências entre a elite” portuguesa, com boas relações com a polícia, procuradores e políticos”, numa entrevista à revista alemã Der Spiegel, publicada em Dezembro do ano passado.

Sem Internet ou jornais

Pronunciado por um crime de tentativa de extorsão, seis de acesso ilegítimo, 68 de acesso indevido, 14 de violação de correspondência e um de sabotagem informática, Rui Pinto aguarda ainda pela data do início do julgamento. Inicialmente, eram 147 e não 90 os crimes que pendiam sobre o hacker, mas acabaram por cair 57, de violação de correspondência, pelos visados não terem apresentado queixa, como defendia a defesa de Rui Pinto no requerimento de abertura de instrução.

Depois de ter sido detido na Hungria em Janeiro de 2019, Rui Pinto foi extraditado para Portugal, onde ficou em prisão preventiva durante praticamente um ano. Desde 8 de Abril que está em prisão domiciliária, numa habitação da Polícia Judiciária. “Ele ali não tem acesso à internet ou a jornais, tem apenas uma televisão”, revelou Francisco Teixeira da Mota, que deverá encontrar-se com o seu cliente durante este fim-de-semana.

A alteração da medida de coacção foi justificada pela decisão do arguido em se disponibilizar para colaborar com a justiça portuguesa. Rui Pinto já há muito que está a cooperar com autoridades judiciais de França, Bélgica e Holanda.

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