A escolha mais difícil está para vir
Não havendo soluções ideais, o que se espera é uma avaliação rigorosa dos perigos de agora e dos riscos do futuro. A vida é o que é: vamos ter de decidir.
E, quase subitamente, o tom geral da preocupação sobre a covid-19 mudou de foco. Os tímidos ensaios de abertura em Espanha e outros países europeus, as declarações dramáticas de Mário Centeno ou as previsões dantescas do FMI para a economia colocam-nos agora face ao mais duro dilema destes tempos duros: quando vamos reduzir o isolamento social e ensaiar um tímido regresso à vida normal para evitar a hecatombe económica que se anuncia? Se no primeiro momento, quando se decretou o fecho das escolas e o estado de emergência, a opção era difícil, agora é-o ainda mais. Em Março tivemos de escolher entre a saúde pública e a incerteza da ruptura da vida normal; em Maio teremos de optar entre a saúde pública e a certeza de um desastre económico de proporções inimagináveis.
Se da primeira vez o que era necessário era coragem para decidir e determinação para executar o mal menor, desta vez será preciso coragem para assumir uma opção destinada a evitar o mal maior. O confinamento que o país, e a Europa, estão a viver tem os dias contados. Porque se as ameaças da pandemia continuam a ser reais, estão apesar de tudo menos assustadoras; e principalmente porque é cada vez mais claro que as ameaças de uma depressão económica profunda se aproximam em gravidade aos custos humanos da pandemia.
O terrível dilema que temos nas mãos terá de encontrar uma resposta no prazo de semanas. Podemos adivinhá-la: uma estratégia dinâmica, de tentativa e erro, que reponha ao máximo a normalidade da produção e do consumo, se ajuste à ameaça do vírus e devolva uma réstia de confiança à economia. Mas isso nem afastará o medo do contágio, nem o risco da pandemia. Se é lógico admitir que deixar tudo como está nos condenará ao desemprego e à pobreza em larga escala, se essa penúria abalará a democracia e abrirá portas aos falsos profetas da extrema-direita, distender o isolamento vai causar vítimas e colocar o regime sob a falsa acusação de trocar vidas humanas pelo dinheiro.
Um ditado vulgar no Brasil descreve bem o lugar onde está hoje o Governo (todos os governos): “Se correr o bicho pega, se ficar o bicho come.” Não havendo soluções ideais, o que se espera é uma avaliação rigorosa dos perigos de agora e dos riscos do futuro. A vida é o que é: vamos ter de decidir. Venha o que vier, a segunda etapa da crise será dolorosa. Atravessá-la será mais fácil se o país estiver consciente dessa dificuldade. Entre o mau e o péssimo há apesar de tudo uma escolha a fazer.