Há medo em Hong Kong de que a China queira acabar com a autonomia do território
Juízes denunciam que a independência do sistema judicial está a ser posta em causa pelo Governo chinês. O mais alto representante de Pequim quer aprovadas leis de segurança para combater as forças pró-independência.
A assembleia legislativa de Hong Kong está paralisada por causa de uma luta entre os principais representantes de Pequim para o território e a oposição pró-democracia que durante meses ganhou forças nas ruas. Com uma eleição marcada para Setembro que pode pender a balança ainda mais para o lado da oposição, o Governo chinês terá iniciado uma ofensiva que ameaça a autonomia da região administrativa especial.
A pressão de Pequim sobre o território estende-se para lá do campo político e executivo até ao sistema judicial, como denunciaram vários juízes à Reuters. Desde Setembro que as directivas enviadas pelo poder central aos magistrados, através da controlada imprensa estatal, é de que os manifestantes pró-democracia detidos não devem ser “absolvidos”.
Além disso, Pequim está a tentar limitar a capacidade dos tribunais do território de julgar questões constitucionais fundamentais e fazer com que a aplicação da lei seja feita de maneira a preservar a política do partido único.
“Se o formigueiro que corrói o papel do Estado de direito não for removido, o dique da segurança nacional será destruído e o bem-estar de todos os residentes de Hong Kong ficará danificado”, afirmou esta quarta-feira Luo Huining, o alto-representante do Governo central para o território, nomeado em Janeiro.
Considerando que muitas pessoas “têm um conceito de segurança nacional muito fraco”, Luo Huining defendeu que é preciso fazer esforços para aprovar no parlamento local o artigo 23 da Constituição da região administrativa, que está para aprovar desde 2003, de modo a garantir os mecanismos legais para garantir essa segurança nacional.
O artigo 23 permite a criação de leis que “proíbam qualquer acto de traição, secessão, sedição, subversão contra o Governo popular central ou roubo de segredos de Estado”, o que é visto como uma ameaça ao movimento pró-democrático de Hong Kong.
A amostra do que Pequim considera como “sedição” foi a detenção a 26 de Março da conselheira distrital Cheng Lai-king, depois desta ter publicado no Facebook uma mensagem que revelava a identidade de um agente da polícia.
“Prender um político pró-democracia por defender a responsabilidade policial é perseguição política, não política legítima”, denunciou Sophie Richardson, directora para a China da Human Rights Watch. “As autoridades de Hong Kong devem desistir imediatamente do processo contra a conselheira Cheng Lai-King.”
A tentativa, há 17 anos, de fazer aprovar o artigo 23 gerou uma enorme onda de protestos que levou a legislação a ser metida na gaveta à espera de condições mais propícias ou necessidades mais prementes do Governo de Pequim e do Partido Comunista Chinês.
Esta quarta-feira, a líder do Executivo de Hong Kong, Carrie Lam descrevia a situação no território quase como de estado de sítio: “Surgiram acções extremistas que estão próximas do terrorismo, incluindo bombas artesanais, posse de armas de fogo e ataques a agentes da polícia”. Protestos ilegais, discurso de ódio e estas acções extremistas são, para Carrie Lam, ameaças à segurança nacional.
Num discurso gravado em vídeo para assinalar o Dia da Educação para a Segurança Nacional, a líder do executivo da região administrativa especial referiu que os meses de protestos anti-governo no território desafiaram o Estado de direito e puseram em perigo a segurança pública: “Se estes actos ilegais não forem restringidos com eficácia é possível que a segurança nacional se veja ameaçada.”
O escritor e activista político Kong Tsung-gan está preocupado com os últimos desenvolvimentos, como escreveu no Twitter: “Por aquilo que estou a ver, estão a preparar o caminho para algo realmente drástico se a Legco [Assembleia Legislativa] se tornar maioritariamente pró-democrata.” Legitimando através destas palavras o cancelamento de eleições, a desqualificação de candidatos pró-democratas, o anulamento de resultados e até a dissolução da assembleia.
"Apertar os parafusos"
No sistema judicial em Hong Kong já se estão a preparar para uma maior intervenção do Governo central na nomeação de juízes, depois de vários magistrados pró-Pequim terem manifestado o seu descontentamento pelas duas mais recentes nomeações para a mais alta instância judicial do território.
Segundo os três juízes que falaram com a Reuters, sob a condição de anonimato, o facto de ter aberto agora uma nova vaga no Supremo Tribunal dá a oportunidade a Pequim para intervir. “Estamos preocupados de que estejam a perder a paciência e encontrem maneiras de apertar os parafusos”, afirmou um deles.
Algo que um porta-voz de Carrie Lam negou que esteja a acontecer ou venha a acontecer, porque Pequim “uma e outra vez deixou claro” que continua a aplicar o princípio de um país, dois sistemas, garantindo a autonomia de Hong Kong na sua relação com a China continental.
No entanto, Priscilla Leung Mei-fun, deputada pró-Pequim no parlamento local, avisou, citada pelo South China Morning Post, que se os deputados pró-democracia continuarem a desafiar o Governo de Xi Jinping isso poderá “enterrar” a autonomia do território, porque Pequim não permitirá que Hong Kong “se paralise a si própria”.