Covid-19: sem um tratamento, podemos ter de praticar o distanciamento social até 2022, diz estudo
Um grupo de cientistas afirma que um período de distanciamento social único poderá não ser suficiente para controlar a pandemia. A equipa sugere que a melhor forma será praticar um isolamento intermitente, a menos que um tratamento ou vacina esteja disponível, algo que, na “melhor das hipóteses”, poderá levar meses.
Podemos estar perante a necessidade de reforçar as medidas de distanciamento social que estão actualmente em curso de uma forma intermitente e, pelo menos, até 2022. A conclusão é de um grupo de investigadores que sugere também que o mundo pode vir a assistir a uma nova “onda” de casos de covid-19 nos próximos anos se estas medidas não foram postas em curso ou se, até lá, não existir um tratamento disponível.
De acordo com o artigo publicado esta terça-feira na revista científica Science, “uma paragem única” não será suficiente para controlar a pandemia e os picos secundários podem ser mais acentuados que o actual se não forem impostas “restrições contínuas”. “O distanciamento intermitente pode ser necessário até 2022, a menos que a capacidade dos cuidados intensivos seja substancialmente aumentada ou um tratamento ou vacina esteja disponível”, concluem os autores.
O grupo de investigadores quis examinar uma série de cenários prováveis de transmissão de SARS-CoV-2 até 2025 e avaliar as intervenções não farmacêuticas que poderiam mitigar a intensidade do surto actual. Os cientistas verificaram que o número total de casos nos próximos cinco anos e o nível de distanciamento necessário dependem, de forma crucial, dos níveis actuais de infecção e se todos os doentes que já estiveram infectados ganham imunidade. E se resposta a esta última pergunta for sim, durante quanto tempo? Se a imunidade for permanente, a covid-19 poderá desaparecer durante cinco ou mais anos depois do primeiro surto, sugere o artigo. Mas, se a imunidade durar “apenas um ano”, como acontece com outros vírus da mesma família do SARS-CoV-2, um ciclo anual do surto seria o resultado mais provável.
“As infecções espalham-se quando há duas coisas: pessoas infectadas e pessoas susceptíveis. A não ser que haja um enorme nível de imunidade colectiva, a maior parte da população continua a ser susceptível”, diz ao The Guardian, Marc Lipsitch, professor de epidemiologia da Universidade de Harvard, nos Estados Unidos, e co-autor do estudo. O docente defende ainda que prever o fim da pandemia para o verão de 2020 “não é consciente com o que conhecemos da disseminação da infecção”.
O artigo sugere ainda que um esforço único de distanciamento social, ou seja, um único período em que estas medidas estão em vigor, pode empurrar um novo pico epidémico do novo coronavírus para o Outono, o que vai ter como consequência uma sobrecarga dos cuidados intensivos e dos serviços de saúde dos países se existir um aumento da transmissibilidade no Inverno. “O distanciamento social intermitente pode manter a procura de cuidados médicos dentro dos limites actuais, mas será necessária uma vigilância generalizada para cronometrar as medidas de distanciamento correctamente”, dizem os autores do artigo, sublinhando que aumentar a capacidade dos serviços de saúde e desenvolver intervenções adicionais são prioridades urgentes.
Mas e se surgir, entretanto, um tratamento ou uma vacina para a covid-19? Ainda que um tratamento possa diminuir a “duração e a intensidade do distanciamento social”, os autores do estudo avisam que o SARS-CoV-2 demonstrou “uma capacidade de desafiar mesmo os sistemas de saúde mais robustos” e que o desenvolvimento e a adopção generalizada de intervenções farmacêuticas podem, na melhor das hipóteses, demorar meses. “Portanto, um período de distanciamento social sustentado ou intermitente será, quase certamente, necessário”, concluem.
“Os autores estão cientes de que o distanciamento prolongado, mesmo que intermitente, terá consequências económicas, sociais e educacionais profundamente negativas. O nosso objectivo na modelagem destas políticas não é endossá-las, mas identificar trajectórias prováveis da epidemia para expandir a lista de opções que temos para a controlar. O nosso modelo apresenta uma variedade de cenários destinados a antecipar possíveis dinâmicas de transmissão do SARS-CoV-2, mas deverá ser adaptado às condições locais e actualizado à medida que estiverem disponíveis dados mais precisos”, pode ler-se na conclusão do estudo.
A ideia de períodos de distanciamento intermitentes como forma de controlar a epidemia não é nova. Esta semana, uma equipa de epidemiologistas de Harvard sugeriu que a melhor maneira de lidar com a propagação do vírus é um modelo de distanciamento social on e off, com alternância entre períodos de isolamento e momentos de funcionamento normal da sociedade.