Covid-19, resgates financeiros a necessidade de assegurar ação climática
Se a atual crise nos ensinou algo é que o ser humano é capaz de mudar o seu comportamento quase de um dia para o outro. Isto é algo que deve orientar as nossas ações ao enfrentar a crise climática.
À medida que a pandemia da covid-19 evolui dentro e fora da Europa e a comunidade médica continua a combater a sua disseminação, governos por todo o mundo encontram-se a preparar importantes pacotes de estímulos e resgates financeiros. Estes fundos irão fornecer o necessário alívio para evitar o colapso de algumas empresas e indústrias gravemente atingidas, e para proteger os rendimentos dos trabalhadores em risco de serem colocados em lay-off ou no desemprego. É esperado que esta ajuda permita aos cidadãos ultrapassar mais facilmente estes momentos desafiantes, focando-se em conter o vírus e preocupando-se menos com o seu futuro financeiro.
No entanto, ao darmos os primeiros passos para voltarmos ao normal funcionamento das nossas sociedades, devemos garantir que reconstruímos a economia para sermos mais resistentes a pandemias, como a covid-19, e a outras ameaças.
Há uma ameaça que só por si justifica a necessidade de restabelecer as nossas economias no sentido de as tornar mais resilientes: as alterações climáticas. A ameaça decorrente das alterações climáticas é tão real quanto a da covid-19 e, embora pareça distante, ela está apenas temporariamente eclipsada pela crise do novo coronavírus. Após um período em que as gerações mais jovens se fizeram ouvir, dizendo aos nossos líderes que precisamos de ser mais eficazes no combate às alterações climáticas, não devemos ignorar esses esforços e cometer o erro de separar totalmente os dois assuntos. É importante que reconheçamos que as atividades humanas estão agora mais do que nunca a comprometer o normal funcionamento dos ecossistemas e que surtos como a covid-19 irão provavelmente ser mais frequentes e difundir-se ainda mais rapidamente, especialmente se considerarmos que a mobilidade apenas se tornará mais acessível.
Na reunião dos líderes europeus de 26 de março foi dado um sinal positivo neste sentido, quando os chefes de Estado pediram às instituições da União Europeia que “começassem a preparar as medidas necessárias para voltar ao normal funcionamento das nossas sociedades e economias”. Essas medidas, acrescentaram, devem promover um “crescimento sustentável”, integrando, entre outras coisas, a transição verde e a transformação digital, tirando todas as ilações da crise, de acordo com os objetivos de neutralidade carbónica do Pacto Ecológico Europeu e dos gases com efeito de estufa até 2050.
A nível nacional, o primeiro de provavelmente vários pacotes de estímulos foi já disponibilizado para lidar com os efeitos imediatos da crise da covid-19 e inclui incentivos financeiros e linhas de crédito. Importa agora garantir que as condições de acesso a todas estas linhas integrem os princípios tanto do Acordo de Paris – no sentido de manter a subida de temperatura abaixo de 1,5 graus Celsius –, como do Pacto Ecológico Europeu da descarbonização total da economia até 2050.
Esses pacotes de estímulo económico constituem uma inesperada oportunidade para os nossos líderes garantirem um futuro sustentável. Indústrias ou modelos de negócios, como a aviação ou os cruzeiros, no seu atual modelo de exploração – que é absolutamente inviável ante a perspetiva de um futuro low-carbon – não devem ser elegíveis para resgates financiados por dinheiro público e o mesmo deve ser aplicado a operações pouco rentáveis do sector da energia, como centrais a carvão ou exploração de petróleo.
O caminho a seguir apresenta-se claro: um modelo económico “mais verde” em Portugal deve, em primeiro lugar, usar os valiosos recursos públicos para promover a transição para uma economia verde e circular. Este é o momento para implementar uma abordagem dupla, enfrentando a crise natural e sanitária, para reconstruir a nossa economia e tornar-nos mais resilientes contra as alterações climáticas e situações como pandemias causadas, em parte, pela destruição contínua da biosfera. Além disso, e em troca de financiamento público, as empresas devem assinar compromissos sérios com metas para redução das emissões de carbono. Mais do que nunca, os contribuintes, muitos dos quais se encontram também num momento de incerteza e de esforço financeiro, têm o direito de exigir transparência e comportamentos responsáveis das empresas que também estão a ajudar resgatar e reestruturar.
A nível da União Europeia, os Estados-membros devem bater-se por uma reforma das normas fiscais para garantir investimento público contínuo na descarbonização da economia. A União Europeia deve, pelo menos temporariamente, excluir o investimento público em descarbonização da economia do cálculo do défice nacional. Por último, os governos devem limitar futuras crises sanitárias, agindo globalmente contra as alterações climáticas, a desflorestação, a destruição de habitats costeiros e marinhos e a perda de biodiversidade. 2020 é o último ano da Década das Nações Unidas para a Biodiversidade e ainda é necessário implementar urgentemente um plano estratégico para reverter a sexta extinção em massa induzida pelo ser humano, que também é parcialmente responsável pelo aparecimento da atual pandemia.
Especificamente no que toca aos oceanos e ao seu papel fundamental no combate às alterações climáticas, os investigadores apontam que acabar com a sobrepesca, implementar legislação eficaz para reduzir substancialmente ou remover lixo do oceano, e designar (e implementar adequadamente) uma rede ampla e representativa de áreas marinhas protegidas de modo a salvaguardar os habitats mais vulneráveis são as principais ações que devem ser tomadas para aumentar a resiliência e tornar o oceano um aliado na mitigação dos efeitos do aquecimento global.
Durante o período de preocupação e incerteza que atravessamos, é necessário que nos unamos para superar a crise que a covid-19 apresenta. Se a atual crise nos ensinou algo é que o ser humano é capaz de mudar o seu comportamento quase de um dia para o outro. Isto é algo que deve ser totalmente reconhecido e que deve orientar as nossas ações ao enfrentar a crise climática. Mais do que nunca, torna-se claro que a economia e o meio ambiente podem e devem caminhar lado a lado. União e cooperação são geralmente as respostas para resolver grandes emergências e desta vez não é diferente. Garantamos então que utilizamos este momento sem precedentes para introduzir as mudanças que nos permitirão restaurar a saúde dos nossos ecossistemas e reverter a crise climática.
Os autores escrevem segundo o novo acordo ortográfico