Caminho para a vacina covid-19
Uma vacina lançada no mercado sem uma correta avaliação da sua segurança pode provocar problemas graves nos sujeitos vacinados, nomeadamente o surgimento de doenças pulmonares.
Hoje sonhamos com o dia em que abrimos um site de notícias e que veremos escrito em letras garrafais: “Habemus vacina covid-19!”
Até que este dia chegue, as vacinas têm de passar por várias fases, os chamados “ensaios clínicos”, até chegar aos nossos hospitais e farmácias. E em que é que consistem estes ensaios? Para que são realizados? Quanto tempo demorarão a ser realizados?
Os ensaios clínicos servem para testar e comprovar a segurança e eficácia das vacinas, ou de outros fármacos, e podem ser divididos em duas grandes fases, a pré-clínica e a clínica).
Após a identificação do alvo da vacina (partes inócuas do vírus), iniciam-se os testes pré-clínicos realizados em animais. Esta primeira fase serve para avaliar os efeitos farmacológicos e toxicológicos da vacina em animais, permitindo saber se a vacina pode ser testada em seres humanos.
A fase clínica é divida em três fases (I a III) que visam avaliar, no ser humano, a reação imunológica, segurança e eficácia.
A fase I é realizada recorrendo a um pequeno grupo de voluntários, entre 20 e 80 adultos, e visa verificar a segurança e a resposta imunitária da vacina nos voluntários, de forma a garantir que o risco do uso da vacina é inferior à doença.
A fase II é alargada a um grupo com centenas de participantes e serve para comprovar os dados da fase I, mas numa população mais abrangente, e para identificar a dose ideal bem como o número de doses necessário para induzir uma resposta imunológica no indivíduo.
Na fase III, a aplicação da vacina é alargada e é administrada a milhares de indivíduos em diferentes países de forma a avaliar a eficácia e segurança da vacina numa população variada. Em caso de resultados positivos no final desta fase, a vacina poderá ser lançada no mercado.
Em situações normais, o tempo necessário para uma vacina chegar ao final da fase III e entrar no mercado pode variar entre dez e 15 anos. Contudo, para enfrentar a atual pandemia é necessário acelerar este processo e, para tal, as entidades reguladoras (FDA nos Estados Unidos e EMA na Europa) iniciaram mecanismos que visam abreviar o tempo decorrido em cada fase dos ensaios clínicos.
Este tipo de estratégia é já aplicado na criação da vacina sazonal da gripe, que tira partido de um método standard de produção regulamentada e, a cada ano, é apenas alterado o agente patogénico, isto é, a vacina é criada da mesma forma, mas para diferentes estirpes do vírus da gripe. Contudo, esta estratégia não foi criada para coronavírus, mesmo com o historial dos surtos de SARS e MERS no passado recente.
Acelerar o processo de produção de uma vacina para a covid-19 é, neste momento, vital para parar a progressão da doença, contudo pode trazer consigo problemas. Uma vacina lançada no mercado sem uma correta avaliação da sua segurança pode provocar problemas graves nos sujeitos vacinados, nomeadamente o surgimento de doenças pulmonares. Outro problema é a possibilidade de que uma mutação no vírus o torne “invisível” para a vacina. Todos estes fatores terão de ser avaliados pelos laboratórios e empresas envolvidas no desenvolvimento das vacinas, bem como pelas entidades reguladoras.
Devido a estes potenciais problemas, é necessário que existam várias vacinas em testes ao mesmo tempo. De forma a responder a esta necessidade, o mundo científico tem-se mobilizado de uma forma célere e concreta. Diversas vacinas estão já na fase I de ensaios clínicos e outras encontram-se nas fases pré-clínicas. Ao mesmo tempo que os testes são feitos, as farmacêuticas trabalham na elaboração de estratégias para produção a larga escala para que, quando uma ou várias vacinas tenham passado com sucesso nos testes, possam ser imediatamente produzidas e colocadas à disposição dos países.
Apesar da velocidade com que os primeiros ensaios clínicos iniciaram e de toda a agilização que as entidades regulamentares estão a colocar em prática para acelerar a criação de uma vacina covid-19, os prognósticos mais otimistas apontam para o início de 2021 como o período em que uma vacina esteja disponível globalmente.
É um longo caminho e teremos de esperar algum tempo para ver o fumo branco. Porém, em paralelo ao desenvolvimento de vacinas, outras estratégias estão a ser usadas para o combate a este vírus, tais como o desenvolvimento de novos antivirais, medicamentos biológicos (proteínas recombinantes, anticorpos monoclonais), e a reavaliação de medicamentos já existentes no mercado.
A ciência oferece várias vias de esperança na luta contra a covid-19, mas até ao anúncio de uma vacina, ou de uma cura medicinal, a estratégia mais eficaz é o isolamento social.
O autor escreve segundo o novo acordo ortográfico