“Uma cientista de corpo inteiro” que fazia “grandes perguntas”: as reacções à morte de Maria de Sousa

A imunologista Maria de Sousa morreu nesta terça-feira. Marcelo Rebelo de Sousa diz que deixa “um legado incontornável na ciência”; Claudio Sunkel fala numa “grande mulher, uma grande cientista”. “Fazia o que todos os grandes cientistas fazem: grandes perguntas”, resume Maria do Carmo Fonseca.

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Maria de Sousa em Maio de 2014 Nuno Ferreira Santos

“Estava sempre preocupada com a próxima questão”
No meio desta grande tristeza, é importante salientar que a Maria de Sousa deixou um imenso legado não apenas científico, mas também para aquilo que são hoje em Portugal e pelo mundo as gerações de cientistas, que, de uma maneira directa ou indirecta, são inspiradas por aquilo que ela fez. Algo de absolutamente extraordinário e pioneiro que ela fez em Portugal foi o desenvolvimento de um programa graduado nas áreas da Biologia Básica e Aplicada, o GABBA, no final dos anos 90 na Universidade do Porto. Neste momento, centenas de pessoas já fizeram o seu doutoramento [neste programa] e isso deve-se em parte a um imenso impulso da professora Maria de Sousa. Conhecemo-nos há mais de 20 anos precisamente no GABBA e mantivemos sempre um contacto profissional. Nos últimos dez anos, estabelecemos mais do que uma relação profissional, mas também uma relação de amizade profunda.

Queria ainda salientar que, para além de uma extraordinária cientista e um extraordinário modelo para todas as gerações, a Maria de Sousa era também uma pessoa que na sua vida privada tinha uma atitude de enorme de curiosidade pelo que a rodeava. Para além da sua carreira brilhante como cientista, teve contribuições e um profundo interesse em áreas diversas como a música, a literatura e a poesia. Sempre olhei para ela como aquele tipo de pessoa com uma permanente serena inquietação. Estava sempre curiosa, sempre descontente com o que não sabe e, até aos últimos dias, sempre preocupada com a próxima questão. É assim que a vou sempre lembrar.

Henrique Veiga Fernandes, investigador principal no Centro Champalimaud

“Era uma grande mulher, uma grande cientista”
A Professora Maria de Sousa era uma grande mulher, uma grande cientista, que nos deixa um enorme legado de rigor e excelência numa carreira cheia de sucessos. Para mim a Maria foi sempre uma fonte de inspiração e de amizade ao longo de toda a minha carreira em Portugal. Conheci a Maria quando cheguei a Portugal e sempre me impressionou a sua inteligência, a sua frontalidade, lealdade e sentido de missão. Ficamos todos mais pobres com a sua partida, mas será sempre recordada como uma das pessoas mais influentes no desenvolvimento da ciência em Portugal. Como colega no IBMC recordo todas as suas contribuições que fizeram desta instituição uma das mais prestigiadas de Portugal. Não posso deixar de expressar a grande tristeza que hoje sinto pela sua partida”.

Claudio Sunkel, Director do Instituto de Investigação e Inovação em Saúde (i3S)​

“Deixa um legado incontornável na ciência”
O Presidente da República lamenta profundamente a morte da Professora Maria de Sousa, figura ímpar da ciência portuguesa e investigadora de prestígio internacional na imunologia e apresenta à família sinceras condolências.

A sua carreira brilhante obteve múltiplos reconhecimentos, de instituições nacionais e estrangeiras, tendo sido condecorada por três chefes de Estado, nomeadamente, em 2016, pelo actual Presidente da República, com a grã-cruz da Ordem Militar de Sant’Iago da Espada, insígnia destinada a distinguir o mérito literário, científico e artístico.

Além da notável carreira académica e científica, desenvolvida primeiro no Reino Unido e nos EUA e depois em Portugal, Maria de Sousa foi também um exemplo de cidadania. Na ciência, foi fundamental no desenvolvimento de várias instituições de referência em Portugal, bem como em todos os passos importantes na consolidação do sistema científico português ao longo das últimas três décadas. Nesse papel, soube sempre combinar, de modo inigualável, uma grande exigência científica com um elevado sentido crítico.

Era uma mulher inconformada e persistente, procurando sempre transmitir um sentido de exigência a todos que, tal como o Presidente da República, tiveram o privilégio de com ela privar. Era também alguém que tinha uma visão ampla do mundo, que não se confinava à academia, mas que abraçava com entusiasmo a relação entre conhecimento e sociedade, ciência e arte.

Deixa um legado incontornável na ciência e um exemplo maior de rigor, de exigência e de compromisso cívico e cultural, os quais o Presidente da República, que ainda recentemente teve a oportunidade de a visitar, gostaria de enaltecer e agradecer em nome de Portugal.

Mensagem do Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa

“Uma académica de sólida formação ética e moral”
A minha sentida homenagem à Professora Maria de Sousa. Uma académica de sólida formação ética e moral, a quem a ciência muito deve. Recordo a sua colaboração activa e empenhada no projecto “Porto, Cidade de Ciência” que tivemos o gosto de criar em 2004.

Mensagem no Twitter de Rui Rio, presidente do Partido Social Democrata (PSD)

“Fazia o que todos os grandes cientistas fazem: grandes perguntas”
É um momento em que me sinto profundamente triste, porque a minha relação com a professora Maria de Sousa era de uma enorme admiração profissional pela Maria como cientista, mas era também uma excelente amiga.

Importa dizer a todos que a Maria de Sousa foi uma grande cientista. Especializou-se no ramo da imunologia, fez descobertas extremamente importantes no campo do sistema imunitário e foi reconhecida internacionalmente por isso. Mas também era uma professora no melhor sentido da palavra. Quando tomou a opção de regressar a Portugal pouco depois da Revolução do 25 de Abril, foi capaz de atrair com o seu entusiasmo pela ciência gerações e gerações de jovens portugueses. Hoje, os maiores cientistas na área biomédica em Portugal foram, de alguma forma, influenciados pela Maria de Sousa. A sua contribuição directa como cientista e a sua contribuição para se construir a comunidade científica que o país hoje tanto se orgulha é um legado tremendo.

Conhecemo-nos quando ela era responsável pelas avaliações dos projectos científicos e eu era uma jovem que tinha regressado do meu treino pós-doutoral na Alemanha. Estava a dar os primeiros passos para constituir um grupo de investigação em Portugal e precisava de financiamento. Ela era a responsável pela distribuição do financiamento no que veio a tornar-se mais tarde a actual Fundação para a Ciência e a Tecnologia. A partir daí, os nossos caminhos nunca se deixaram de cruzar.

Teve uma influência muito grande no meu trabalho, primeiro ao estabelecer um sistema muito objectivo e justo de distribuição de apoios à investigação científica. Mas também por todas as conversas que tínhamos. Todas as conversas eram extremamente enriquecedoras, porque ela fazia o que todos os grandes cientistas fazem: grandes perguntas. Perguntava-me o que estava a investigar, quais as minhas ideias e as questões que me colocava eram de tal maneira inspiradoras que tiveram sempre grandes consequências para o desenvolvimento do meu trabalho. Além disso, era uma pessoa de referência em termos humanos.

Maria do Carmo Fonseca, presidente do Instituto de Medicina Molecular João Lobo Antunes

“Era muito assertiva e muito crítica, o que é uma enorme vantagem em ciência”
Ela teve um começo difícil porque teve de sair de Portugal para desenvolver a sua carreira académica e científica. Chegou a Portugal uns anos antes de mim e eu só a conheci quando vim para cá, no início da década de 1990. Teve várias contribuições em Portugal: a primeira foi insistir muito na altura para que os projectos de investigação que fossem financiados pelo Governo português e avaliados por comissões internacionais, com pessoas que não fizessem parte da ciência portuguesa, para ser mais independente. Teve uma importância muito grande para internacionalizar a avaliação científica em Portugal. Foi professora do Instituto de Ciências Biomédicas Abel Salazar, no Porto, e foi pioneira na criação de cursos graduados que tinham uma filosofia diferente: a de que os alunos que entravam no mestrado poderiam escolher a pessoa com quem quisessem ir trabalhar. Isso hoje já não é original, mas na altura era. E ajudou imenso na criação de várias estruturas de investigação; ajudou-me a mim na concretização do Instituto de Biologia Molecular e Celular (IBMC), foi uma da meia dúzia de pessoas que muito contribuíram para que o IBMC crescesse da forma que cresceu. 

Ela era muito assertiva e muito crítica do que muitos de nós queríamos fazer e isso é sempre uma enorme vantagem em ciência. Ter pessoas que nos dizem só “sim” não ajuda nada. Ela teve o espírito muito científico, crítico e analítico em relação àquilo que fazia e muitos de nós devemos-lhe imenso. Ela veio para Portugal numa altura em que havia muito pouca ciência. Se calhar até me ajudou a mim na decisão de vir para Portugal, deu-me alguma coragem para me aventurar. Serviu de exemplo. É, para todos nós, uma enormíssima perda.

Com esta questão da pandemia a preocupar-nos tanto, ficou a ideia de que é fundamental que as decisões políticas sejam baseadas no conhecimento, principalmente quando ainda não sabemos muito. A política não tem o luxo do tempo; o conhecimento tem tempo para se tornar mais sólido e robusta. A política não. Também ajuda a perceber que muitas vezes decisões políticas têm de ser tomadas com informação insuficiente na altura. É por isso importante reorientar a política conforme o conhecimento vai crescendo. E a Maria teve um papel importante a divulgar essa noção. 

Alexandre Quintanilha, deputado, físico e professor universitário jubilado

A Maria e a pandemia: a ciência cura, mas é um campo de batalha!
Poderíamos falar de guerra, mas a Maria preferia falar de ciência e do conhecimento confiável que resulta da acumulação e aplicação rigorosa do conhecimento científico. De facto, como tão bem escreveu e repetiu durante as últimas semanas, “o vírus não é o inimigo, nem uma pandemia é uma guerra. O vírus é uma pequena partícula que precisa de entrar nas células para se manter e se propagar. O inimigo não é o vírus, o inimigo é a pessoa que se mantém suficientemente próxima de outra para dar a oportunidade ao vírus de saltar de uma célula para outra.”

Por outras palavras, mas voltando a citar a Maria, “a infecção viral só se pode perceber no contexto do hospedeiro, no âmbito do qual o sistema mais importante é o sistema imunológico”. A má notícia é que a Maria não resistiu... Mas a boa notícia é que temos hoje em Portugal muitos cientistas de reconhecido mérito nesta área, para a formação dos quais a Maria contribuiu de forma decisiva.

O campo de batalha é, portanto, a ciência. E a batalha só se vence com mais ciência, com mais jovens a fazer ciência de qualidade e com o tempo que a ciência nos exige, sobretudo após a utilização sistemática da avaliação científica independente. [artigo completo aqui]

Manuel Heitor, ministro da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior

“Com ela aprendemos que é preciso saber perguntar para saber responder”
Tive o privilégio de contactar com a professora Maria ao longo de muitos anos e de ter participado com ela e com outros – os coordenadores do programa GABBA [Programa Graduado em Biologia Básica e Aplicada – na construção de um programa doutoral único na universidade do Porto onde ela deixa uma memória indelével para todo o sempre, tendo marcado de uma forma definitiva muitos de nós. Era uma mulher extraordinária, uma mulher de ciência, uma pessoa com quem todos aprendemos que só é possível responder se soubemos fazer as perguntas certas. Esse foi talvez um dos maiores legados que nos deixou: saber perguntar para saber responder. Era uma pessoa crítica, presente, lúcida, interveniente, reconhecida internacionalmente pelo que fez pela ciência em geral e mais especificamente no âmbito da imunologia. 

Sei que ela anteviu este risco com muita preocupação porque tinha vários problemas de saúde e pude falar com ela no dia em que ela soube o resultado. Fica na minha memória as palavras que nessa altura pude trocar com ela. O que importa lembrar é a marca que ela deixa na ciência, na universidade e na forma de encarar a formação, especificamente a formação pós-graduada criando em cada um daqueles em que deixou a marca a confiança de que cabe a cada um de nós escolher caminhos que sejam diferentes e que abram portas para o mundo. Isso foi possível, por exemplo, com muitos dos que fazem parte da comunidade GABBA.  

Entre as suas muitas qualidades está a inteligência, o sentido crítico, a capacidade de intervenção nos momentos certos, a capacidade de ver o futuro, a capacidade de imaginar um futuro, de imaginar realidades que pareciam não tangíveis para aqueles que se prendem às coisas mais comezinhas do dia-a-dia.

Fátima Carneiro, investigadora no Ipatimup/ i3S (Instituto de Investigação e Inovação em Saúde) da Universidade do Porto, directora do serviço de Anatomia Patológica do Hospital de São João, no Porto

“Um dos nomes maiores da Universidade do Porto”
“Maria de Sousa será para sempre lembrada como um dos nomes maiores da Universidade do Porto e da Ciência Portuguesa, tendo o seu trabalho merecido reconhecimento internacional numa altura em que ser cientista, particularmente uma mulher cientista, não era tarefa fácil”, recorda o Reitor da U.Porto, António de Sousa Pereira, perante o que classifica como “uma perda enorme para a Universidade do Porto e para a Academia Portuguesa”, citado no site de notícias da Universidade do Porto.

António de Sousa Pereira, reitor da Universidade do Porto

“Mantinha a postura de guerreira destemida”
Henrique Cyrne Carvalho, director do ICBAS (Instituto de Ciências Biomédicas Abel Salazar), descreve, no site de notícias da Universidade do Porto, o desaparecimento de Maria de Sousa como “uma das piores notícias que poderíamos ter nestes dias tão conturbados pela epidemia. O ICBAS perde uma das suas melhores, um dos padrões de excelência científica e humanista que caracterizaram a nossa história”.

“Falámos por telefone diariamente desde o seu internamento até à sua transferência para a UCI. Apesar da sua óbvia apreensão, mantinha a postura de guerreira destemida, a mesma com que viveu toda a sua vida”, recorda Cyrne Carvalho, realçando que “a vida da Professora Maria de Sousa não terminou! Prolonga-se para o presente e projecta-se para o futuro através de todos os seus discípulos e de todo o seu conhecimento”.

Henrique Cyrne Carvalho, director do ICBAS

“Uma cientista de corpo inteiro, a tempo inteiro”
Eu não seria cientista se a Maria de Sousa não tivesse passado na minha vida. Para mim é tão simples quanto isto. Além disso, possivelmente não seria a pessoa que sou hoje. Com apenas 21 anos ter tido a possibilidade de trabalhar e conviver com uma mulher com aquela força e forma de estar (que eu admirava), assertiva, incisiva e até mesmo cortante (que por vezes me deixavam mesmo muito irritada), capaz de fazer ligações de pensamento extraordinárias (que me deixavam maravilhada) só pode ter deixado uma marca muito presente em mim.

Para além da cientista com descobertas incríveis, a Maria era realmente uma cientista de corpo inteiro, a tempo inteiro. Sempre curiosa, com novas questões sobre os seus projectos e sempre com novas perguntas para os nossos projectos, os projectos de todos. A Maria de Sousa deixou um legado incrível de cientistas mas também de uma forma de estar na ciência – o seu impacto no desenvolvimento da ciência em Portugal é notável.

Obrigada Professora Maria de Sousa, Obrigada Maria.

Maria Manuel Mota, cientista e directora executiva do Instituto de Medicina Molecular João Lobo Antunes

“Era uma personalidade singular, de uma inteligência acutilante”
Este é um dia triste, em que somos confrontados com a noticia do falecimento da Professora Maria de Sousa. Sabemos todos a sua importância no desenvolvimento da imunologia em Portugal e na formação pós-graduada, assim como o seu envolvimento talvez menos conhecido no Programa Ciência, plano crucial nos anos 90 para o lançamento da investigação cientifica em Portugal.

Foi por sua iniciativa que, no final dos anos 80, é criado o mestrado de Imunologia do ICBAS, um grau académico a dar os primeiros passos nas universidades portuguesas. Em meados dos anos 90 é novamente precursora na criação do programa doutoral GABBA, resultante da fusão de mestrados recém-criados na Universidade do Porto, um programa modular interinstitucional e verdadeiramente pioneiro. Para a formação pós-graduada conta com a participação de professores altamente especializados espalhados pelo mundo e assegura-se que os alunos escolhem o seu programa de tese em total liberdade, muitos deles no estrangeiro. 

Fui aluno do mestrado de Imunologia em 1989/90 e, mais tarde, durante um período participei na organização do Programa GABBA. Pude ver quanto a Maria se empenhava para que os alunos tivessem uma formação de excelência com os melhores, e quanto se envolvia no acompanhamento dos alunos.

Noutro plano, após o meu doutoramento na Holanda, cujo júri a Maria teve ocasião de participar, integrei em meados de 1996 o seu grupo de investigação. Lembro-me bem de ter organizado a mudança do seu laboratório do edifício velho do ICBAS, no inicio de 1998, para o então novo IBMC [Instituto de Biologia Molecular e Celular] no Campo Alegre, de resto fomos um dos primeiros grupos de investigação a instalar-se no novo edifico. Era todo um mundo novo que começava, lembro-me bem do seu entusiasmo que contagiava todo o grupo. Durante os anos que se seguiram, foram anos muito ricos, cheios de partilhas, desde idas a congressos, artigos científicos, candidaturas a projectos, discussões cientificas, e sobretudo de conversas e ideias improváveis. Foi por sua influência que em termos de investigação desenvolvi o interesse da relação entre o metabolismo do ferro e o sistema imunitário, assunto a que me dedico actualmente. Pese embora nestes últimos anos, por diversas razões a tenha visto pouco, sempre que a encontrava era um momento especial, de grande alegria e cumplicidade.

A Maria era uma personalidade singular, de uma inteligência acutilante, de pensamento livre e inquieto, com um grande sentido de humor, e, mais que tudo, uma cientista e as perguntas faziam parte de si. O mundo fica mais pobre por a ver partir, resta-me pensar que parte do seu legado e seguramente as nossas memórias ficarão comigo. 

Até sempre Maria, abraço, Pedro.

Pedro Rodrigues, vice-reitor para a Investigação da Universidade do Porto

“Insistia em sair da academia e abraçar o mundo”
Maria de Sousa teve uma notável carreira académica e científica, reconhecida internacionalmente, em que se incluem descobertas fundamentais em imunologia, referentes à distribuição de linfócitos T nos órgãos linfóides de mamíferos. Mas Maria de Sousa era também escritora e mulher de uma enorme cultura e humanidade, que insistia em sair da academia e abraçar o mundo, visitando museus com os seus alunos e com eles discutindo as obras em exibição.

Mensagem citada pela agência Lusa de Eduardo Ferro Rodrigues, presidente da Assembleia da República  

Maria de Sousa
Maria,
É uma forte mulher
Diz e faz o que quiser

Relembro cada minuto
Do dia que conheci
No meio de tantas caras,
Para mim todas tão raras,
No seu olhar me senti.

Mais tarde a sua voz
Quando o telefone tocou
Não queria acreditar...
Sim, sim, você entrou!

No GABBA...
A todos trouxeste, debaixo da tua aba
De ti não esperávamos nada
Mesmo nada...
Mas sentimo-nos teus filhos
Aqueles que nunca tiveste...
Mas a nós sempre quiseste
E por nós tudo fizeste!

Viste em cada um de nós
Mais do que uma voz
A união em nós surgiu,
E foste tu quem nos uniu!

Agora a imunologia
Em ti fez uma magia
Que te leva além do mar...
Vais por não poder ficar
Mas segue com uma certeza
Para sempre vamos te amar!

Diz a árvore do saber
Há que nascer, e morrer.
Para sempre ficam raízes
Para as folhas serem felizes!

Maria, que pelos olhos sorria...
Aqui fica o teu legado...
Obrigada por em nós teres acreditado!

Joana Simões Correia, ex-aluna do GABBA

“Foi uma cidadã muito activa em várias frentes sociais”
A Maria de Sousa não foi só uma imunologista, não foi só uma cientista de topo, não foi só uma referência na cultura científica nacional. Foi todas essas coisas, e brilhantemente. Mas foi igualmente uma cidadã muito activa em várias frentes sociais.

Tive o prazer de privar com a Maria no Conselho Nacional de Ética para as Ciências da Vida (CNECV). E, não só aí, mas também aí, sempre teve um foco muito grande em dois pontos: a) trazer a melhor ciência para lidar com preocupações sociais, pondo-a ao serviço da comunidade; b) garantir que ninguém ficaria para trás.

Não há muitos cientistas de topo que tenham essas preocupações de modo tão altruísta e genuíno, não para benefício de uma qualquer agenda oculta, que a Maria nunca teve. A não ser a agenda da qualidade e da exigência, e essas não eram nada ocultas. Fazem falta cientistas com esses interesses e capacidades; e que os exerçam ao longo de toda uma carreira. Como fez, de modo coerente e generoso, a Maria de Sousa.

João Ramalho-Santos, presidente do Centro de Neurociências e Biologia Celular da Universidade de Coimbra

Um exemplo de cidadania
Se há pessoas que deixam uma memória indelével a Maria de Sousa é certamente uma delas. Sei do muito que fez no campo científico, o suficiente para a admirar por isso, mesmo sendo um leigo nesse campo. Mas a Maria que conheci era essa e também uma outra, complementar, mas não menos importante no seu perfil intelectual e humano. A Maria era uma pessoa de profunda cultura e uma mulher extremamente combativa.

Já a conhecia de reputação mas a oportunidade do contacto pessoal ocorreu em 1987 quando o Expresso e a Unysis tomaram a iniciativa do Prémio Pessoa que se viria a tornar na mais importante distinção cultural em Portugal – de resto várias vezes distinguindo pessoas da área científica, João Lobo Antunes e depois outros.

Francisco Pinto Balsemão, que presidia, fez uma criteriosa selecção de jurados, como os saudosos António José Saraiva, Francisco Lucas Pires e Miguel Veiga, além do imprescindível Eduardo Lourenço. Havia uma única mulher que era também a única cientista: a Maria de Sousa, claro. Foi essa a Maria que directamente conheci, afável, calorosa e assertiva. E assim tive a oportunidade – tivemos todos os que éramos jurados – que constatar que, para além do seu campo de especialidade, a Maria era uma pessoa de vastíssima cultura. Essa faceta era parte integrante e fundamental do que, conjuntamente com o seu activíssimo labor no campo científico da sua especialidade, constituía a sua característica mais marcante: a Maria era um exemplo raro de cidadania, sempre disponível para intervir e colaborar.

Poucas pessoas neste país eu admirava tanto como a Maria de Sousa e nesta hora, e tanto mais pela trágica ironia das circunstâncias da sua morte – uma imunologista vítima de uma pandemia – a tristeza é imensa. Imensa!

Augusto M. Seabra, crítico do PÚBLICO

“É um exemplo muito raro de interesse pelo desenvolvimento científico dos outros”
Maria de Sousa viu nascer a Fundação Champalimaud. Esteve presente no momento em que se escolheu o nome Champalimaud Centre for the Unknown, assistiu ao estabelecimento da instituição e foi uma amiga muito importante para nós. Às vezes, eu descobria que ela estava dentro da fundação num laboratório a falar com os cientistas. Fazia-o com os mais conhecidos, como o Rui Costa ou o Henrique Veiga-Fernandes, que têm a sua vida científica profundamente ligada à Maria, mas também com os mais novos, incluindo estudantes de doutoramento. Continuou a fazer essas visitas até há muito pouco tempo, nos últimos meses. É um exemplo muito raro de interesse pelo desenvolvimento científico dos outros, nomeadamente dos mais jovens.

É preciso também lembrar que partiu para uma vida científica lá fora, como hoje fazem muitos, numa altura em que isso ainda não era comum. Outra característica a realçar é que era mulher e médica, numa área como as ciências da vida onde por vezes falta essa visão.

Depois, quando regressou a Portugal, quando passámos a dispor de mais meios para o desenvolvimento da ciência, foi muito relevante na criação de um sistema de avaliação, impulsionado regras e práticas que, porventura, não são muito habituais entre nós.

Leonor Beleza, presidente da Fundação Champalimaud

“Fica tanto, Maria! Fica tanto!”
Maria de Sousa, a Senhora Professora, como carinhosamente sempre lhe chamei, teve sempre uma relação com o tempo muito desigual. Sempre atual e bem consciente do tempo, esteve frequentemente muito, muito além do seu tempo, nas suas escolhas profissionais e pessoais, mas também na sua visão do mundo. Uma verdadeira visionária na ciência e na sociedade. Mas a sua relação com o passado foi também surpreendente. Tendeu sempre a analisar os acontecimentos científicos e não científicos no seu contexto histórico.

Uma pessoa assim desconcerta, perturba e transforma. Conheci-a quando veio “perturbar” o ensino de medicina no Instituto de Ciências Biomédicas Abel Salazar. Por exemplo, para a cadeira de Patologia, pediu-nos para ir ao Museu Soares dos Reis simplesmente observar e registar as nossas observações porque observar é essencial para um cientista. E os médicos, umas das suas grandes batalhas, devem aprender investigação.

Maria de Sousa foi uma brilhante cientista com publicações científicas e o investimento profundo no ensino pós-graduado (Programa GABBA) a espelhar esse brilho até aos últimos dias. Mas foi muito mais como conta tão bem os seus escritos no seu livro “Meu Dito, Meu Escrito”, que ajudei a editar. Ainda assim, foi a ciência o seu maior legado. A ciência como arma essencial para construir o caminho para a excelência, de um país e de uma sociedade. Na vida e agora também na morte, Maria de Sousa aponta o dedo ao que nós ainda não sabemos e às nossas falhas na ciência, na medicina e nos diferentes aspetos da nossa vida.

Só se leva o que se fica, disse-me uma vez, a propósito da morte. Com os olhos cheios de lágrimas e com a privação do sono pela angústia de seguir o seu percurso desde internada, digo com toda a certeza, fica tanto, Maria! Fica tanto! Estes corações que agora estão despedaçados vão continuar a bater pelo seu legado.

Helder Araújo, médico e professor universitário em Los Angeles, Califórnia

“A melhor dos melhores”
Em Julho de 2002 entrei pela primeira vez no gabinete da Professora Maria de Sousa no Instituto de Biologia Molecular e Celular (IBMC) no Porto. Era recém-licenciado e queria fazer um doutoramento na área da imunologia. Lembro-me de entrar nervoso. Era a Professora Maria! Saí da reunião com uma orientadora e com as ideias para um projecto de doutoramento. O que ainda não sabia era que tinha igualmente ganho uma amiga, uma confidente, uma verdadeira mentora. Tive sorte que a minha vida se tenha cruzado com a da Professora. Tive sorte por ter entrado no seu gabinete naquele dia. Começou aí a minha vida como cientista e logo com a melhor dos melhores.

Durante os quase 5 anos que se seguiram tive o privilégio de partilhar o laboratório com a Professora Maria e de aprender com ela. Com a Professora aprendia-se sempre. De ciência, de cultura, da vida, de tudo! Mas aprendia-se sobretudo o rigor. Era essa a sua exigência constante. Sermos sempre rigorosos em tudo o que fazemos. E não tolerava falhas. Deve vir daí a sua fama de implacável... talvez até fosse. Mas era também uma mulher genuinamente altruísta. De uma enorme generosidade e uma inteligência superior. Um sentido de humor fantástico e uma capacidade única para dizer as frases certas nos momentos certos.

É uma referência para todos os cientistas e, pelo que deu ao país, deve sê-lo também para todos os portugueses. Merece esta e todas as homenagens.

Obrigado por tudo, Professora Maria.

Sérgio Fernandes de Almeida, investigador do Instituto de Medicina Molecular e Professor da Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa

“[O seu legado] continuará a ser um farol nas nossas vidas profissionais”
Foi com profunda tristeza que tomei conhecimento da morte da nossa colega e muito estimada professora Maria de Sousa. Investigadora por excelência, catapultou a ciência, a medicina e a investigação portuguesa além-fronteiras para patamares de excelência, sem nunca deixar de colaborar no desenvolvimento de instituições em Portugal, como por exemplo a Universidade do Porto, o que foi justamente reconhecido em vários prémios e distinções, de carácter nacional e internacional. Esta é uma perda inestimável para o nosso país e para a ciência, mas estou certo de que o legado de Maria de Sousa, nomeadamente pelo exemplo de dedicação, rigor e capacidade de aliar a investigação científica à prática clínica, perdurará e continuará a ser um farol nas nossas vidas profissionais. Todos vamos sentir muito a sua falta. À família enlutada, endereço as minhas sentidas condolências.

Miguel Guimarães, bastonário da Ordem dos Médicos

“O convívio com Maria de Sousa foi um desafio constante”
Tive o gosto de conhecer a Professora Maria de Sousa quando chegou ao Instituto de Ciências Biomédicas de Abel Salazar. Não irei repetir o que já tem sido dito sobre o seu enormíssimo valor enquanto cientista e “Mulher de Ciências e das Artes”, todos reconhecemos o seu mérito e lamentamos a sua perda.

Como penso que a Maria gostaria, escrevo sobre o que nos unia e fazia conversar. Era a ciência e em particular o elemento químico ferro. Numa viagem de regresso ao Porto vindas ambas de um congresso em Sintra, cuja temática era a biologia do ferro, tivemos oportunidade de conversar durante três horas seguidas. As perguntas que me colocou sobre o meu trabalho foram tantas e tão pertinentes que, desde logo, fiquei fascinada com a sua argúcia e capacidade de questionar e argumentar.

O episódio mais marcante foi o dia em que me disse, ou quase me ordenou, no seu estilo muito próprio, “Você tem que fazer um quelante de ferro que se veja na célula”. Fiquei surpresa e aceitei o desafio. A minha área de investigação foi direccionada para o design de moléculas fluorescentes que respondem à presença do ferro. A partir daí todo o nosso convívio foi enriquecedor e um desafio constante. Depois da sua jubilação, e quando vinha ao Porto, as nossa conversas passaram a almoços de pizza à beira rio e a longas conversas telefónicas, sempre a falar de ciência.

Esta é a nossa história, mas estou certa que se repete com muitas pessoas que conviveram e foram influenciadas pela Maria de Sousa.

Estou certa que melhor homenagem que podemos prestar à Maria de Sousa é prosseguirmos o nosso trabalho e contribuir para o desenvolvimento da ciência em Portugal e no Mundo.

Muito obrigada Maria.

Maria da Conceição Rangel, investigadora do Instituto de Ciências Biomédicas de Abel Salazar

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