Covid-19: Caixa dos Advogados, a vergonha de uma classe honrada
Também os advogados estão perante uma importante perda de rendimentos por tempo indeterminado. Porém, não foram abrangidos pelas medidas de apoio excepcionais e temporárias, similares às que foram adoptadas no âmbito do regime dos trabalhadores independentes.
Muito se tem escrito — e bem — sobre os deveres da Caixa de Previdência dos Advogados e Solicitadores (CPAS) na defesa e interesse dos profissionais que para ali descontam os seus rendimentos. Não é de hoje, mas de sempre que o advogado é uma profissão de interesse público. Não é de hoje, mas de sempre que o advogado colabora na administração da justiça.
Esta garantia é uma atribuição da Ordem dos Advogados prevista art. 3.º, al. a) da Lei n.º 145/2015 de 9 de Setembro (Estatuto da Ordem dos Advogados, EOA). Nos termos do artigo 88.º do mesmo diploma, o advogado é, pois, indispensável à administração da justiça. Infelizmente, tem-se permitido cada vez mais que tais prerrogativas sejam esquecidas. No âmbito do exercício da advocacia, a dignidade do advogado no seio da administração da justiça – têm vindo a vergar-se perante um conjunto de interesses que mais não são do que tentativas de degradar a figura e função do advogado autónomo e de prática isolada com o intuito de o afastar da sua actividade judiciária. A actual conjuntura é demonstrativa dos inúmeros profissionais que vivem nesta situação, que todos os dias se debatem para obter rendimentos daqui e dali.
Com o problema de saúde pública que nos assombra, foram e bem tomadas diversas medidas de apoio social para os trabalhadores em virtude da significativa perda de rendimentos por tempo indeterminado. Também os advogados estão perante uma importante perda de rendimentos por tempo indeterminado.
Porém, não foram abrangidos pelas medidas de apoio excepcionais e temporárias, similares às que foram adoptadas no âmbito do regime dos trabalhadores independentes, que lhes permitam atenuar o impacto decorrente das consequências da covid-19 nas respectivas situações familiares e profissionais, com a única excepção da que foi prevista quanto ao pagamento de contribuições para a CPAS.
Para já, o mesmo diploma que prevê vários apoios devido à covid-19 apenas prevê uma autorização à CPAS para diferir, suspender ou reduzir as contribuições dos beneficiários. Deve salientar-se que todas as medidas deixam de fora os advogados e solicitadores, muitos deles jovens, com filhos nos respectivos agregados familiares, o que se traduz numa desigualdade de tratamento face à generalidade dos trabalhadores independentes.
Finalmente, com algum esforço de todos, só agora, na vigência da renovação do estado de emergência, a Lei n.º 8/2020, de 10 de Abril, acrescentou ao Decreto-Lei 10-J/2020, de 26 de Março, o seu art. 13º-A, que estabelece que o disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 2.º deve ser interpretado no sentido de abranger os beneficiários da Caixa de Previdência dos Advogados e Solicitadores que tenham a respectiva situação contributiva regularizada ou em processo de regularização através de um plano prestacional acordado com a Caixa de Previdência dos Advogados e Solicitadores. Não deixa de ser uma alteração “ tirada a ferros” mas demonstrativa por um lado da dificuldade que se vive hoje na profissão.
Benefícios como subsídio por isolamento profiláctico, protecção na doença resultante da pandemia, apoio excepcional à família para trabalhadores em virtude da necessidade de acompanhamento de filhos por motivo da suspensão das actividades lectivas presenciais, apoio extraordinário à redução da actividade económica de trabalhador, entre outras, não existem para os profissionais do foro. Se querem obter rendimentos têm mesmo que trabalhar. Mas como?
O trabalho do advogado baseia-se em reuniões, consultoria jurídica, diligências em tribunal. Com os prazos judiciais suspensos e com a quarentena por tempo indeterminado, perguntamos à CPAS como irão estes profissionais obter rendimentos. Por outro lado, os clientes que também menos dinheiro recebem, menos podem pagar.
Não se pode excluir um conjunto de trabalhadores e famílias – os apoios têm de abranger todos por igual, sob pena de discriminação injustificada. Devem, portanto, ser adoptadas medidas excepcionais de protecção social, bem como medidas de apoio extraordinário à redução da actividade económica dos advogados que sejam igualmente afectados nas respectivas vidas familiar e profissional, similares às que já foram atribuídas aos trabalhadores independentes.
Instado o Senhor Presidente da CPAS, o mesmo como advogado sugeriu a suspensão da cédula para quem não tivesse de acordo com as medidas já tomadas. Declarações que, para além de insultuosas, parecem apenas servir interesses de foro privado quando é a dignidade da profissão e os direitos fundamentais que estão em causa e que mereciam outro tratamento, de todos e para todos. Uma vergonha que apenas reflecte o estado a que chegou uma profissão independente e imprescindível à administração da justiça.
Mas a verdade é que o mundo não pode parar, o Estado de direito não ficou suspenso pela declaração de estado de emergência. Não desistiremos!