A União Europeia saiu do ventilador

Depois da forma como o Banco Central Europeu decidiu uma intervenção musculada no mercado da dívida soberana sem o habitual queixume alemão e depois do acordo do Eurogrupo, a União respira um pouco melhor. Mas não curou o mal da desconfiança.

A União Europeia está ainda longe de encontrar a resposta suficiente para gerir a terrível crise económica provocada pela covid-19 e para se reerguer quando o vírus for vencido. Mas só o pessimismo mais impenitente ou o antieuropeísmo mais feroz permitem afirmar que as medidas aprovadas esta sexta-feira são um fracasso, uma prova acabada da falta de solidariedade ou uma vitória inequívoca dos falcões ricos sobre os pobres do Sul.

Com os planos mais ambiciosos para a reconstrução remetidos para um Conselho Europeu no futuro próximo, o que se esperava da reunião do Eurogrupo, aconteceu: os estados-membros foram capazes de um acordo, reduziram a crispação, afastaram o espectro de uma derrota colectiva e conseguiram mobilizar 540 mil milhões de euros para os problemas imediatos. Como disse o Presidente, “é um começo”.

Não foi fácil chegar lá porque nada é fácil numa União que continua minada pela noção de um suposto risco moral que faz com que os “responsáveis” do Norte receiem pagar os desmandos dos “perdulários” do Sul. Mas as clivagens que há duas semanas implicaram palavras duras e o regresso real do perigo de um desentendimento fatal extinguiram-se à custa de uma negociação que revelou espírito de compromisso e a noção de que todos teriam a perder com a falta de um acordo.

Ao contrário do que aconteceu na crise do euro, os mais fortes não ficaram de um lado e os mais débeis do outro. A Itália e a Espanha, com Portugal no mesmo lado da barricada, tiveram como aliados tácitos a Alemanha e a França. Os planos foram aprovados, a condicionalidade no acesso aos fundos aligeirou-se e a Europa acordou esta sexta-feira com um novo estado de espírito para os próximos passos.

Como o que falta fazer a seguir é muito mais exigente em termos de volume financeiro do que os 540 mil milhões de euros do Mecanismo Europeu de Estabilidade, do Banco Europeu de Investimentos e do programa europeu SURE, preparemo-nos para novos atritos. A emissão de dívida mutualizada (os eurobonds) está fora da carteira e como qualquer estratégia alternativa só fará sentido e terá substância se os países mais ricos assumirem uma parcela dos riscos dos mais pobres, é fácil imaginar o que se segue – até porque, para a reconstrução da economia europeia, será necessário muito mais dinheiro.

Mas depois da forma como o Banco Central Europeu decidiu uma intervenção musculada no mercado da dívida soberana sem o habitual queixume alemão e depois do acordo do Eurogrupo, a União respira melhor. Se recuperou o ânimo para a incerta batalha da reconstrução, essa é uma pergunta sem resposta.

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