Novas infecções em doentes de covid-19 dados como recuperados? “São a excepção”
Depois de terem recuperado clinicamente, uma pequena percentagem de doentes na Coreia do Sul, no Japão e na China voltaram a ter testes positivos para a covid-19. O que pode ter acontecido?
Soube-se esta sexta-feira que 91 doentes na Coreia do Sul que já tinham sido dados como recuperados da covid-19 voltaram a ter testes positivos. A Organização Mundial da Saúde (OMS) já disse que está a averiguar estes casos. E o que pode ter acontecido? Responsável da saúde pública na Coreia do Sul disse que o vírus pode ter sido “reactivado” e não que os doentes tenham sido reinfectados. Outros cientistas referem estes casos “são a excepção” e que a reinfecção é “improvável”.
Até agora, são muito poucos os casos de pessoas que se pensava terem recuperado da covid-19 e que voltaram a ter testes positivos. Isso já aconteceu com pelo menos duas pessoas no Japão e em pelo menos quatro na China. Na Coreia do Sul sabia-se que tinha acontecido com um doente. Agora, responsáveis sul-coreanos anunciaram que tal ocorreu em mais 91 doentes no país.
Citado pela agência Reuters, o director do Centro Coreano de Controlo e Prevenção de Doenças, Jeong Eun-kyeong, explicou que o vírus pode ter sido “reactivado” e não que os doentes foram reinfectados. Por agora, as autoridades de saúde do país não perceberam o que está por detrás desta tendência, mas que as investigações epidemiológicas estão em curso.
Numa breve declaração enviada à Reuters, a OMS já disse que tem conhecimento destes casos de pessoas que tiveram testes negativos para a covid-19 através de um teste PCR (reacção em cadeia de polimerase) e que dias depois voltaram a ter testes positivos. “Estamos em contacto próximo com os nossos especialistas clínicos e a trabalhar arduamente para obter mais informação acerca desses casos individuais. É importante garantir que, quando as amostras são recolhidas para testes em doentes suspeitos, os procedimentos são cumpridos de forma adequada”, afirmou a organização. A Reuters adianta que, de acordo com as orientações da OMS sobre gestão clínica, um doente pode receber alta hospitalar se estiver clinicamente recuperado e após dois resultados negativos com 24 horas de diferença.
O perigo das excepções
Pedro Simas, virologista do Instituto de Medicina Molecular, assinala que estes casos “são excepções”. O virologista explica que é possível que essas pessoas tenham feito um teste de PCR para detectar a infecção viral, mas que esse teste tenha sido um falso negativo. “Há uma grande probabilidade que isso tenha acontecido”, realça. Além disso, numa situação pandémica, é “muito fácil” que exista uma percentagem de testes que dêem falsos negativos.
E isto dá-nos pistas sobre a imunidade? Pedro Simas refere que não há nenhum vírus que conheça que não cause imunidade. “Todos os coronavírus que se conhecem causam imunidade, mesmo que seja de curta duração, e estabelecem um equilíbrio a nível da população.” Neste caso, como é um novo vírus, ainda não se estudou e tem mais informação porque não houve tempo. “Está a olhar-se muito para as excepções e é perigoso estarmo-nos a concentrar nas excepções porque induzem as pessoas em erro.”
Já Maria João Amorim, virologista do Instituto Gulbenkian de Ciência, diz que não é claro porque é que se observam estes casos e que, pelo que se sabe, são uma percentagem reduzida. “Podem ter continuado infectados, a produzir vírus em pequenas quantidades que não foram detectadas pelos testes. Ou tiveram novamente contacto com o vírus e que por algum motivo conseguiu replicar-se, se bem que estes casos não apresentam sintomas, ou os sintomas são ligeiros”, explica, adiantando que só se terá uma resposta mais definitiva quando se tiverem dados que elucidem se pessoas infectadas ficam protegidas da infecção.
David Kelvin, professor de microbiologia e imunologia da Universidade Dalhousie (no Canadá), indicou ao site canadiano Global News que a reinfecção é “improvável” e que podem existir muitas explicações para estes casos, nomeadamente a de que os indivíduos nunca terem eliminado completamente o vírus ou o uso de kits de testes defeituosos.
Num artigo de opinião no jornal norte-americano The New York Times, a epidemiologista Greta Bauer também explorou esta questão e referiu que estes “aparentes casos de reinfecção” podem ter entrado em remissão e depois ter tido uma recaída ou, ainda, que houve testes com falsos negativos. “Contudo, os investigadores precisam de mais tempo para descobrir o que está a acontecer a estes doentes e as suas implicações.” Greta Bauer especula que, mesmo que se conclua que a reinfecção não possa ocorrer logo após a recuperação, isso poderá acontecer mais tarde se a imunidade for só sazonal. “Se a reinfecção é realmente possível, precisamos de saber se isso resultará numa forma da doença mais leve ou grave.”
O cientista Peter Openshaw assinalou ainda na revista New Scientist que (no pior dos cenários) alguns vírus da família dos coronavírus tendem a induzir a imunidade de duração relativamente de curta – de cerca de três meses. Quanto a este vírus, o investigador do Imperial College de Londres adverte que ainda não sabemos quanto durará e que é preciso mais investigação às pessoas que recuperaram.
Martin Hibberd (da Escola de Higiene e Medicina Tropical de Londres), por sua vez, dá um tom optimista a esta questão: “As provas são cada vez mais convincentes de que a infecção pelo SARS-CoV-2 leva a uma resposta de anticorpos que é protectora. Embora precisemos de mais provas, é improvável que as pessoas que recuperaram sejam infectadas com SARS-CoV-2 outra vez.”