Entre a oportunidade e o oportunismo
À revelia das regras e deontologia da Advocacia, assiste-se a uma desenfreada e mesmo frenética actuação para captação de clientes de forma absolutamente ilícita, sem qualquer respeito pela ética. Não vale tudo.
A classe profissional dos Advogados está sujeita a regras estritas de actuação, pautadas pelo Estatuto da Ordem dos Advogados e por um conjunto de regras deontológicas que definem e identificam a profissão.
Entre elas, a proibição da publicidade, que não meramente informativa, a angariação de clientela, enfim, e de forma mais coloquial, tudo quanto se assemelhe a práticas comerciais.
Se é facto que a pandemia e a quarentena privaram muitos advogados da continuação, normal, do exercício da sua actividade profissional, impuseram-lhes, também, desafios complexos, como seja conciliar o confinamento com esse mesmo exercício, as videoconferências, videochamadas, trabalho jurídico na mesa da sala, com todas as dificuldades ora sobejamente familiares a muitos.
Debate-se a Advocacia com a quebra abrupta de rendimentos, mantendo-se a balança de despesas como habitual.
Estando suspensos os prazos, cancelados os julgamentos, encerrados os notários e grande parte dos serviços públicos, é evidente que muito do trabalho programado se esfumou e com ele os honorários.
Enquanto as diversas medidas governamentais foram sendo legisladas percebeu-se que os Advogados estão de fora. De umas porque, emitindo recibos verdes, pagam uma caixa própria, e obrigatória, e não a Segurança Social. Esta caixa própria em nada ajuda ou apoia, antes discute a possibilidade de adiamento dos pagamentos mensais… De outras, como a moratória dos créditos à habitação, temos entidades bancárias que rejeitam porque entendem que se não aplica aos Advogados…
E muitos pensam já, de forma séria, preocupada e atenta sobre o que fazer para recuperar. Como cativar os clientes cujos assuntos ficaram em stand-by e que com tantas vicissitudes também vêem as suas finanças soçobrar, logo deixando para melhor oportunidade…
Porém, assiste-se a uma desenfreada e mesmo frenética actuação para captação de clientes de forma absolutamente ilícita, sem qualquer respeito pela ética.
É uma seguradora que oferece serviços jurídicos, constituindo isto procuradoria ilícita, que até é crime.
É uma empresa de contabilidade que apresenta tabela de preços para lay-off, juntando a sociedade de advogados que vai tratar da “parte jurídica”.
É uma senhorinha que é apresentada em prime time na RTP, como Advogada, e impávida e serena não desmente, nem desdiz, não ter a profissão, antes perorando sobre tudo e coisa nenhuma!
Não vale tudo. Vai ser difícil e penoso para todos. Muitos clientes vão ficar sem capacidade financeira. Outros vão desaparecer. Outros, ainda, não vão pagar o que já devem.
Mas não vale tudo. E não é perante tamanha adversidade que se podem permitir estes atropelos. Os Advogados não batem a portas a oferecer serviços. Não apresentam menus de desconto em parceria com contabilistas.
E não podemos compactuar com estes fenómenos de procuradoria ilícita, ou seja, de quem, não sendo advogado, pretende fazer o seu trabalho, como as seguradoras ou quem não tem sequer habilitação legal. Lamentável, mas típico da condição humana.
Se em tempos de cólera uns se destacam pela elevação, outros mostram o quão poucochinho sabem ser. Pois, se de tempos conturbados e de crises surgem oportunidades, não podemos permitir os oportunismos.
Não vale tudo e, em tempos de cólera, a ética tem de prevalecer.