A covid-19 e a factura energética

Para além do futuro incerto e da redução do orçamento mensal do agregado familiar há ainda outro factor que aumenta o risco destas famílias. Estar em casa, em isolamento, implica um aumento de bens de consumo como a água, o gás e a energia.

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Atravessamos uma crise sanitária global e transversal a toda a sociedade. “A maior do nosso tempo”, segundo Tedros Adhanom Ghebreyesus, o director-geral da Organização Mundial de Saúde. A mitigação e controlo da covid-19 é um desafio para os governos e entidades de saúde pública mundiais. Deixando de fora algumas soluções mais alternativas e de efeito duvidoso, é ponto assente que o modo mais rápido e eficaz de travar a propagação do vírus é através de medidas de contenção baseadas no distanciamento e isolamento social das populações. Estas medidas resultam num novo paradigma do trabalho e são simultaneamente uma oportunidade para a implementação de novos métodos, potencialmente mais eficazes, de teletrabalho e uma ameaça para milhares de postos de trabalho nos países afectados.

Esta ameaça é real como mostram os dados do desemprego divulgados recentemente pelo Financial Times. Desde 1965 nunca se assistiu a um crescimento do desemprego de forma tão rápida em tão pouco tempo, uma semana. Por cá, um estudo do ICS/ISCTE mostra que em Portugal são os trabalhadores menos qualificados que estão mais expostos a uma possível perda de trabalho pela incapacidade de desempenhar as suas funções remotamente. Os que têm a possibilidade de continuar a trabalhar colocam a sua saúde em perigo através de deslocações efectuadas maioritariamente com recurso a transportes públicos.

Desde a declaração do estado de emergência e a sua implementação a partir do dia 23 de Março de 2020 que muitas empresas foram obrigadas a parar a sua produção. Os trabalhadores, a maioria pertencentes a esta camada social mais frágil, foram enviados para casa com vencimentos reduzidos ou enfrentando um possível layoff num futuro muito próximo. Para além do futuro incerto e da redução do orçamento mensal do agregado familiar há ainda outro factor que aumenta o risco destas famílias. Estar em casa, em isolamento, implica um aumento de bens de consumo como a água, o gás e a energia.

Os dados de consumo energético disponibilizados diariamente pela REN já demonstram esta realidade. A figura abaixo compara o consumo energético total nacional (em MV), em função dos minutos decorridos desde a meia-noite, para o mês de Março. As curvas a vermelho representam o consumo pré-declaração do estado de emergência, a preto pós-declaração, a verde o consumo no fim-de-semana e, finalmente, a magenta o consumo correspondente aos dias após a implementação do estado de emergência.

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Se o grande decréscimo de consumo antes e após a declaração do estado de emergência estará relacionado com a paragem de produção e o fecho das fábricas, as curvas a magenta revelam outra realidade. Nestes dias foi consumida mais energia que num fim-de-semana comum, sendo que no período da tarde (entre os minutos 800 e 1000) há um aumento significativo de consumo, possivelmente associado ao uso de equipamentos electrónicos (televisões, computadores, etc.).

Este aumento vai necessariamente traduzir-se numa factura energética mais elevada no final do mês, penalizando as famílias mais expostas ao risco por redução de vencimento ou perda de trabalho. O consumo energético é só um exemplo (os dados estão disponíveis e acessíveis a todos), mas é fácil imaginar o mesmo cenário para o consumo de outros bens como a água e o gás.

Se é imperativo implementar medidas para a mitigação da propagação da doença e planear o futuro económico pós-pandemia, é essencial promover políticas que não penalizem as famílias mais expostas e com maior risco. Estas medidas têm de ser tomadas agora ou corremos o risco de um empobrecimento de uma franja considerável da população. Ajudar os mais expostos e minimizar os riscos destes durante a pandemia é também um dos maiores desafios do nosso tempo.

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