Regime excepcional de perdão de penas aprovado só com a esquerda

PSD mostrou-se inflexível contra a libertação de reclusos e votou contra a proposta do Governo, tal como o CDS, a Iniciativa Liberal e o Chega.

Foto
Daniel Rocha

Rui Rio traçou uma linha vermelha sobre a proposta de lei do Governo que permite o perdão de penas no contexto da pandemia e foi inflexível: o PSD acabou mesmo por votar contra a iniciativa do Governo, já que não viu acolhidas as alterações que propôs. O diploma do executivo foi, no entanto, aprovado com os votos favoráveis do PS, BE, PCP, PEV e da deputada não inscrita Joacine Katar Moreira. O CDS, a Iniciativa Liberal e o Chega também votaram contra, o PAN absteve-se. O consenso só se viu na proposta de lei do Governo que agiliza os procedimentos administrativos e os empréstimos nas autarquias. Foi aprovada por unanimidade.

Na votação na especialidade do regime excepcional de perdão de penas – feita no mesmo dia da votação final  algumas propostas de afinação avançadas pelo PCP e do CDS foram aprovadas. Os centristas viram aprovadas as suas propostas de excepcionar do perdão de penas os condenados por crimes cometidos contra membro das forças policiais e de segurança, das Forças Armadas e funcionários e guardas dos serviços prisionais, bem como a de impor um período de quarentena de 14 dias aos reclusos que regressarem ao estabelecimento prisional.

Mas, no essencial, a proposta de lei do Governo teve luz verde no Parlamento, sobretudo, com o apoio das bancadas à esquerda do PS.

No arranque do debate ministra da Justiça, Francisca Van Dunem, afirmou que a proposta do Governo tinha “medidas cautelosas que não descolam dos princípios essenciais” do sistema penal português.

Mas essa visão mereceu a discordância do PSD. O deputado e vice-presidente do partido André Coelho Lima considerou que o perdão de penas “não é a saída necessária” para o que se visa atingir. Defendeu que a “substituição de uma parte da pena por prisão domiciliária é o mais adequado”, só possível para os mais vulneráveis, ou seja, mais de 60 anos e com patologias de maior risco. 

A solução social-democrata foi recebida com dureza pela bancada do PS. “A proposta do PSD é irresponsável, porque não é possível comprar de hoje para amanhã os meios de vigilância. E é demagógica, porque não põe limite ao indulto (…) Não respeitando a vontade do Presidente da República de apenas utilizar o indulto de forma muito limitada e restritiva”, apontou Constança Urbano de Sousa. A deputada ainda apelou ao PSD para que se juntasse ao consenso, mas Rui Rio já tinha assumido que nesta “matéria estruturante” não estava disposto a ceder na posição contra a libertação de reclusos. O líder do PSD acusou mesmo PS, BE e de PCP de se prepararem para “soltar perto de 20% dos reclusos”.

Muito críticos foram também os deputados da IL e o do Chega. João Cotrim Figueiredo assumiu que as prisões estão “sobrelotadas”, mas que o Governo “privilegia a forma mais atabalhoada” de resolver a questão, que é “a libertação de reclusos”. O deputado da IL criticou o facto de a libertação dos reclusos não estar condicionada à realização de testes nem à existência de condições para o confinamento domiciliário. Telmo Correia, líder da bancada do CDS, também defendeu algumas condições para a libertação de reclusos, mas assumiu não ser “insensível” ao “argumento” humanista que preside à solução do Governo.

A posição mais dura foi assumida por André Ventura, do Chega, ao criticar a falta de critério no indulto. “Um abusador sexual pode ser libertado, pode, pode”, repetiu, perante protestos das bancadas. As declarações tiveram resposta na bancada do BE. José Manuel Pureza viu nas afirmações um “populismo da extrema-direita para excitar as massas nas redes sociais”.

Na maratona de votações, que se seguiu ao debate de uma centena de iniciativas, só algumas das propostas foram aprovadas. A meio da tarde, quando ainda decorria o terceiro de sete debates, os partidos da esquerda começaram a partilhar com os jornalistas informações de propostas que haviam sido consensualizadas com o Governo e com o PS. Foi um momento digno de um período orçamental em que cada um fazia valer as suas conquistas.

Além de propostas no regime de perdão de penas, o PCP conseguiu o acordo do PS noutras três medidas: o alargamento do fornecimento de alimentação das escolas ao escalão B da Acção Social Escolar; a possibilidade de utilização de escolas de acolhimento pelos filhos dos funcionários dos lares; e a não interrupção dos serviços essenciais de água, luz e gás.

Esta última matéria também originou um diploma do BE, que determina que durante o estado de emergência e no mês subsequente não seja permitida a suspensão do fornecimento de bens essenciais, nos quais se inclui electricidade, gás, água, comunicações electrónicas. Os bloquistas viram também aprovada uma proposta sobre o resgate de Planos de Poupança Reforma sem penalizações fiscais, o alargamento às amas da Segurança Social o apoio dado às famílias com crianças em creche, o alargamento das medidas de protecção ao crédito e de garantias do Estado a advogados e solicitadores e o apoio à produção cultural e profissionais do espectáculo.

Do lado do Partido Ecologista Os Verdes, foi ainda concertado o apoio à proposta que defende a gratuitidade da Linha Saúde 24 e a outras duas: uma para impedir instituições bancárias de cobrar comissões sobre operações realizadas através de plataformas digitais; e outra que assegura programação estimuladora do exercício físico e da alimentação saudável na RTP.

Foram ainda aprovadas uma adequação do pagamento de propinas no ensino superior nesta situação excepcional, proposta pelo PAN, assim como as limitações de acesso às plataformas de jogo online, do mesmo partido.

Sugerir correcção
Ler 4 comentários