Governo afegão liberta 100 prisioneiros taliban

A decisão foi apresentada como gesto de boa vontade depois de os islamistas dizerem que iam abandonar as negociações de paz. Libertação não respeita a grande exigência dos taliban: que sejam postos em liberdade 15 comandantes.

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Soldados afegãos num posto de controlo nas imediações da prisão de Bagram MOHAMMAD ISMAIL/Reuters

O Governo afegão libertou nesta quarta-feira 100 prisioneiros taliban, um dia depois de combatentes deste movimento radical islâmico terem dito que iam abandonar as negociações de paz e atacado forças de segurança. A decisão foi apresentada como gesto de boa vontade de Cabul, mas não satisfez a principal exigência dos taliban: a libertação de 15 comandantes.

“Vão ser hoje libertados cem prisioneiros”, anunciou Javid Faisal, porta-voz do Conselho de Segurança Nacional afegão, citado pela Al-Jazeera. “Estamos a fazer a nossa parte do acordo. O processo de paz deve avançar”, continuou, garantindo que os 15 comandantes exigidos pelos taliban não estão incluídos. Os prisioneiros foram libertados da base de Bagram, nas proximidades de Cabul. 

Optando pela precaução, o porta-voz do gabinete político dos taliban, Suhail Shaheen, disse não saber quem está entre os prisioneiros libertados nem se estão incluídos na lista de nomes entregues ao Governo. “Devem ser libertados com base na nossa lista”, disse à Associated Press Shaheen, que na terça-feira anunciou o regresso da equipa negocial dos taliban. 

A libertação também aconteceu um dia depois de os taliban terem atacado forças de segurança na província de Balkh, no Norte do país, dado que as conversações não pressupõem algum tipo de cessar-fogo. Sete civis afegãos foram raptados no decorrer do ataque e os seus corpos foram mais tarde encontrados, disse à Associated Press o chefe da polícia local, Sayed Arif Iqbali. 

Os Estados Unidos e os taliban assinaram um acordo de paz no final de Fevereiro que requeria, além da retirada de todas as forças militares estrangeiras do país até Julho do próximo ano, a libertação de até cinco mil prisioneiros taliban pelas autoridades afegãs. Em troca, os taliban libertariam mil soldados afegãos. No entanto, o Governo de Cabul não participou nas negociações nem assinou o documento e essa cláusula tem sido o grande obstáculo.

Há uma semana que negociadores dos dois lados se reuniam em Cabul e as conversações não vinham produzindo os resultados desejados, com acusações de ambas as partes a serem feitas: os taliban acusam o Governo de as arrastar, enquanto o Governo acusa os taliban de fazerem exigências irrazoáveis. 

"Os atrasos intencionais na libertação dos nossos prisioneiros violam o acordo de paz, por isso pedimos o regresso da nossa equipa técnica de Cabul”, escreveu no Twitter o porta-voz do gabinete político taliban, Suhail Shaheen.

“Não podemos libertar os assassinos do nosso povo”, respondeu Matin Bek, membro da equipa negocial do executivo, citado pela BBC. O Governo, garantiu Bek, estava disposto a libertar até 400 prisioneiros taliban de baixo valor, recusando deixar em liberdade os 15 comandantes exigidos pelos taliban.

O imbróglio político em Cabul também tem dificultado o processo negocial. As eleições presidenciais de 28 de Setembro deram, segundo a comissão eleitoral, a vitória ao Presidente afegão, Ashraf Ghani, mas o primeiro-ministro, Abdullah Abdullah, acusou o seu rival de fraude eleitoral e não aceitou a derrota. Os dois líderes fizeram então o juramento no mesmo dia (diplomatas estrangeiros e das forças militares americanas estiveram na de Ghani), criando uma situação de dualidade de poderes sem solução à vista – pede-se um Governo de unidade nacional. 

A troca é um pilar fundamental do acordo de paz negociado entre Washington e os taliban e, caso não aconteça, teme-se que os taliban possam regressar a pegar em armas contra soldados americanos e da NATO destacados no país dilacerado por 18 anos de guerra. Daí que os Estados Unidos venham mostrando crescente frustração sobre a situação política no país e o arrastar das negociações.

Atraso nas negociações

As negociações estavam agendadas para começar a 10 de Março, mas as posições intransigentes de ambos os lados impediu que assim fosse até 1 de Abril. Depois de inicialmente recusar libertar prisioneiros, o Presidente Ashraf Ghani assinou, um dia depois de tomar posse, um decreto a autorizar a libertação de 1500 prisioneiros taliban ao longo do tempo, abrindo a portas às conversações. 

No entanto, o seu rival e primeiro-ministro Abdullah não aceitou qualquer troca de prisioneiros e o impasse manteve-se por mais de duas semanas, até o secretário de Estado americano, Mike Pompeo, aterrar sem aviso nem preparo em Cabul, para o forçar a mudar de posição. Pompeo anunciou que os Estados Unidos iam cortar a ajuda ao Afeganistão na ordem dos mil milhões de dólares e, poucos dias depois, Abdullah aceitou negociar com os taliban, frisando no entanto que iria libertar apenas 1500 prisioneiros, em vez dos cinco mil definidos no acordo de paz. 

Os taliban não aceitaram a condição e, para pressionar, a força das armas tomou a dianteira. No final de Março, os taliban levaram a cabo uma série de ataques na província de Badakhshan, no Nordeste do país, conquistando o quartel-general distrital em Yyngab, após intensos combates. E, dias depois, aceitaram negociar. 

Sem apoio dos militares americanos no terreno, excepto em situações estritamente defensivas, os militares afegãos não têm capacidade para enfrentar os taliban em pé de igualdade. Aguentam os embates e podem até reconquistar algum território, mas vêem-se obrigados a abandoná-lo por falta de forças e meios. Os dois lados sabem-no e as negociações são a única alternativa para se evitar que os taliban ganhem ainda mais força quando já controlam a maioria do país.

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