Presidente do Conselho Europeu de Investigação demitiu-se. Comissão Europeia já reagiu
Num comunicado divulgado pelo Financial Times, Mauro Ferrari diz que na origem da sua demissão está a rejeição de um programa de investigação para combater a covid-19. O conselho científico do Conselho Europeu de Investigação já tinha pedido a sua demissão em Março.
Mauro Ferrari demitiu-se nesta terça-feira da presidência do Conselho Europeu de Investigação (ERC, na sigla em inglês) alegando estar “extremamente desiludido com a resposta europeia à covid-19”. Num comunicado publicado no jornal Financial Times, o também cientista refere que na origem desta demissão está a renúncia a um programa especial dirigido ao combate à covid-19 pelo conselho científico do ERC. O conselho científico já reagiu e revelou que já tinha pedido a demissão de Mauro Ferrari a 27 de Março.
No comunicado, Mauro Ferrari diz que há uma completa falta de coordenação de políticas de cuidados de saúde e uma recorrente oposição ao financiamento de iniciativas coesas na luta contra o coronavírus. “Receio ter já visto o suficiente tanto da governança da ciência como das políticas da União Europeia”, escreve. “Perdi a fé no próprio sistema.” E adiantou ainda, citado pela agência Reuters: “Cheguei ao ERC como um fervoroso apoiante da União Europeia. A crise da covid-19 mudou completamente a minha visão.”
O ex-presidente do ERC explica que propôs que o Conselho Europeu de Investigação devia estabelecer um programa especial direccionado ao combate à covid-19. “Pensava que em tempos como estes os melhores cientistas no mundo deveriam receber recursos e oportunidades para lutar contra a pandemia com novos medicamentos, novas vacinas e ferramentas de diagnóstico e novas abordagens dinâmicas comportamentais baseadas na ciência, para substituir as intuições frequentemente improvisadas pelos líderes políticos.”
Mauro Ferrari diz que a proposta foi rejeitada pelo conselho científico do ERC sem que se considerasse qual a forma que esse programa poderia assumir. “A rejeição da minha proposta foi baseada na noção de que o financiamento do ERC para a investigação deve ser feito de baixo para cima: ele não especifica áreas de foco ou objectivos de financiamento, nem considera o impacto benéfico na sociedade como critério de financiamento.”
Conta ainda que a sua “desilusão foi parcialmente aliviada” porque a presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, lhe tinha perguntado a sua opinião sobre como se poderia travar a pandemia. Por isso, tinha desenvolvido um plano para poder de facto contribuir com directrizes substanciais. No briefing desta quarta-feira, a Comissão Europeia desmentiu esta informação e referiu que Ursula von der Leyen não solicitou qualquer proposta nesse sentido a Marco Ferrari. “Foi exactamente o contrário”, referiu-se. Também foi dito que, a 27 de Março, os membros do conselho científico pediram a demissão de Mauro Ferrari.
Pouco tempo depois, o conselho científico divulgou um comunicado que confirmava que todos os seus 19 membros tinham pedido a demissão de Marco Ferrari. São quatro as razões apontadas: Ferrari mostrou não compreender o contexto do ERC dentro do programa de financiamento europeu Horizonte 2020; demonstrou uma falta de compromisso com o ERC, falhando a muitas reuniões e passando muito tempo nos EUA; fez muitas iniciativas pessoais na Comissão Europeia sem consultar o conselho científico e usando a sua posição para promover as suas próprias ideias; e estava envolvido em muitas iniciativas académicas e comerciais, o que lhe tomavam muito tempo e pareciam ter muitas vezes prioridade sobre o seu compromisso com o ERC.
“O professor Ferrari subsequentemente renunciou a 7 de Abril. Contudo, a sua resignação segue, no fundo, um voto escrito unânime de perda de confiança”, lê-se no comunicado do conselho científico. Sobre o programa que Mauro Ferrari refere que não foi aprovado, o conselho científico explica que não foi aprovado porque essa não é a sua missão e já foram criados novos programas para combater a pandemia através de canais apropriados.
Especificou-se ainda que já muitos investigadores financiados pelo ERC estudam há algum tempo famílias de coronavírus e outros agentes patogénicos igualmente perigosos. Além disso, mais de 50 projectos do ERC de diferentes áreas científicas em desenvolvimento ou já concluídos financiados em cerca de 100 milhões de euros estão a contribuir para o combate da pandemia. “Contudo, o ERC não faz candidaturas para tópicos específicos, pois um dos princípios que norteiam o ERC é o de que os investigadores são livres de seguir os seus objectivos e decidem sobre o que desejam trabalhar”, lê-se. Afirmam ainda que lamentam a afirmação de Mauro Ferrari e que o ERC continuará a seguir a missão para o qual foi criado: apoiar investigações inovadoras de baixo para cima. No briefing da Comissão Europeia, também se referiu que será escolhido um novo presidente “o mais depressa possível”.
A Comissão Europeia também já tinha confirmado em comunicado a demissão de Mauro Ferrari, notando que o seu contrato como presidente do ERC só lhe dava poderes legais como “conselheiro especial” da Comissão, refere o site Science Business. Legalmente, o conselho científico “define a estratégia de financiamento científico e as metodologias do ERC”, assinala-se. E agradece-se o “grande investimento pessoal” que fez desde Janeiro na presidência do ERC.
Citada pelo jornal The New European, a Comissão Europeia defendeu o seu trabalho no combate à covid-19 ao dizer que já seleccionou 18 projectos de investigação e desenvolvimento. Além disso, lançou um fundo de emergência para a investigação do coronavírus, bem como 45 milhões de euros numa parceira com o sector dos fármacos para que se desenvolvam tratamentos e diagnósticos, segundo o site Politico.
Pioneiro na nanomedicina
Também Christian Ehler, eurodeputado alemão que lidera a legislação em investigação, descreveu a demissão de Mauro Ferrari como “relações públicas de fachada na crise do coronavírus e que está em contradição com a base legal do ERC”, cita o site Science Business.
Mauro Ferrari tem 60 anos e nasceu no Norte de Itália. Estudou Matemática na Universidade de Pádua e foi depois para a Universidade da Califórnia, onde fez o doutoramento em Engenharia Mecânica. Mais tarde veio a tornar-se professor de Bioengenharia e Engenharia Mecânica na Universidade Estadual do Ohio. Veio também a tornar-se um dos pioneiros da nanomedicina. Sempre manteve colaborações com instituições europeias e o seu nome está associado ainda ao Instituto Nacional de Cancro dos EUA, à Universidade do Texas ou à Universidade de St. Thomas.
Em 2016, a sua equipa anunciou um tratamento para o cancro que usava nanopartículas carregadas de substâncias quiomioterapêuticas para atingir directamente as células metastáticas. Mauro Ferrari assinou centenas de publicações científicas e tem dezenas de patentes, incluindo diferentes nanopartículas para entrega de fármacos.
Ao mesmo tempo que era presidente do ERC, também continuou as suas actividades nos EUA, como professor na Universidade de Washington, e mantinha um cargo remunerado na empresa de biotecnologia Arrowhead Pharmaceuticals, refere o Science Business, algo que já tinha sido alvo de críticas.