Covid-19: Marcelo diz que Portugal tem “resistido e bem a criar guetos de grupos vulneráveis”

Marcelo Rebelo de Sousa condena a ideia de isolar os grupos de risco porque acredita que isso criaria xenofobias involuntárias. Num depoimento, o Presidente da República sublinhou que as consequências económicas do vírus podem durar anos.

Foto
Marcelo Rebelo de Sousa lembra que Portugal é um país envelhecido e que isolar os mais velhos era isolar 40% da população LUSA/ANTÓNIO COTRIM

O Presidente da República condenou esta segunda-feira a ideia de se isolar idosos e doentes mais vulneráveis à covid-19, deixando o resto da sociedade levar uma vida normal, considerando que Portugal tem resistido, e bem, a essa posição.

“É que se pensássemos assim estaríamos a criar guetos, no fundo, xenofobias involuntárias. E é irrealista. Os idosos de que falamos são quase um terço da nossa população. E se somarmos os doentes mais vulneráveis estamos perto de 40%”, afirmou Marcelo Rebelo de Sousa, no início do programa Prós e Contras, na RTP1.

Num depoimento em vídeo transmitido neste programa apresentado por Fátima Campos Ferreira, dedicado à pandemia de covid-19, o chefe de Estado acrescentou que “não há como uma democracia, que respeita a pessoa, marginalizar 30% ou 40% da comunidade”.

“Nós temos resistido, e resistido bem, a pensar e sentir que podíamos fechar apenas protegendo os idosos e doentes mais vulneráveis, deixando o resto da sociedade levar uma vida normal, como se a crise lhe não respeitasse, e tudo seria tudo mais fácil e certo - não seria, como não seria se o grupo de risco fossem só as crianças ou só os jovens”, considerou.

Marcelo Rebelo de Sousa referiu ainda, a este propósito, que Portugal é “dos quatro ou cinco países mais envelhecidos da Europa, e dos países da Europa com mais emigrantes na Europa, dos mais abertos à circulação de pessoas e mesmo ao turismo”.

Segundo o Presidente da República, todos percebem que “não se trata de um combate por um grupo de risco, pelos idosos ou pelos doentes com certas vulnerabilidades, mas por toda a sociedade”.

A declaração de Marcelo Rebelo de Sousa distancia-se das afirmações feitas pelo antigo chefe de Estado, Ramalho Eanes, que a semana passada sugeriu que os mais velhos deveriam, em caso de necessidade, ceder os seus ventiladores aos mais novos. “Nós os velhos, eu falo porque sou um velho, tenho 85 anos, vamos ser os primeiros a dar o exemplo”, afirmou. “E mais, quando chegarmos ao hospital, se for necessário, oferecemos o nosso ventilador ao homem que tem mulher e filhos”, declarou o antigo Presidente da República e membro do Conselho de Estado de Marcelo Rebelo de Sousa.

Consequências económicas podem “durar anos"

O Presidente da República voltou a avisar que as consequências económicas da covid-19 “podem durar uns anos” e defendeu que tem de se pensar no futuro e não apenas “tapar buracos”. Marcelo notou que no plano político existe agora “convergência no essencial", mas que mais tarde “diferentes serão, naturalmente, os caminhos propostos — como já são hoje — para enfrentar os efeitos económicos e sociais da pandemia”.

Segundo o chefe de Estado, “à medida que o sufoco sanitário passa”, o que disse esperar que aconteça durante este mês, “importa que economia e sociedade se normalizem”, com a consciência de que “vai ser um arranque lento, desigual e difícil”.

“Há apoios directos e financiamentos que não podem esperar meses pelo fim da crise sanitária, são os apoios mais urgentes dos urgentes”. “Depois desses apoios é preciso investimento público e investimento privado, com o contributo europeu, com o contributo nacional, estatal e da banca, e dos empresários”, acrescentou.

O Presidente da República enquadrou a actual situação como “o maior desafio no domínio da vida e da saúde dos últimos cem anos, em dimensão e em concentração no tempo”.