Colaboradores do Serviço Educativo de Serralves acusam fundação de os descartar

Mais de 20 membros da equipa estão sem vencimento. Fundação responde que está a cumprir todas as suas obrigações, “bem como todas as regras decretadas no âmbito do Estado de Emergência”.

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Uma visita organizada pelo Serviço Educativo de Serralves, em 2015 PAULO PIMENTA

Os colaboradores do Serviço Educativo de Serralves acusam a fundação portuense de os ter descartado e deixado sem vencimento, não os envolvendo, por exemplo, no programa Sole (Serralves Online Experience) com que a instituição está a compensar o fecho dos seus espaços desde a segunda semana de Março, no contexto das medidas de combate à propagação da covid-19.

A acusação é feita por um grupo de 23 trabalhadores independentes, que este domingo endereçou uma carta aberta a Isabel Pires de Lima, vice-presidente da administração de Serralves, pedindo-lhe que interceda junto da instituição para que esta cumpra as medidas de protecção do tecido cultural sugeridas no Manifesto em Defesa de um Presente com Futuro​, que a professora universitária e ex-ministra da Cultura subscreveu no passado dia 26 de Março. Neste manifesto, publicado no PÚBLICO, solicita-se aos vários órgãos do poder central e do poder local com tutela sobre o sector, bem como às empresas e às fundações, “que assumam iniciativas para que Portugal e o seu sistema cultural não diminuam de forma drástica”.

Nesta carta aberta – também endereçada ao PÚBLICO –, os colaboradores do Serviço Educativo dizem que a administração de Serralves os deixou “no vazio, contrariando até o que está estabelecido no ​Decreto n.º 2-A/2020, ​que regulamenta a aplicação do estado de emergência (...) e que estipula a obrigatoriedade da adopção do regime de teletrabalho, independentemente do vínculo laboral, sempre que as  funções em causa o permitam”.  

“Nenhuma das actividades online propostas até ao momento [pela fundação] foi desenvolvida pelos educadores do Serviço Educativo Artes de Serralves, porque a fundação não deu qualquer resposta à nossa proposta de desenvolvimento de um programa de actividades, à excepção de uma que foi solicitada a uma dupla de educadoras sobre Joan Miró”, escrevem os subscritores da carta aberta, onde explicam que alguns colaboradores foram chamados a adaptar o programa Sazonalidades (cinco sessões de oficinas diárias de seis horas durante as férias da Páscoa), para um formato online que seria remunerado pelo valor de uma sessão única”, o que consideraram injusto e inaceitável – segundo os signatários, Serralves tinha proposto pagar “40 euros pela concepção de novos conteúdos e execução de um produto a comunicar online”.

Os subscritores citam expressamente o programa Sole, que a fundação lançou no final da semana passada, oferecendo, através do seu site e das suas redes sociais, um vasto programa de “exposições, filmes, música, livros, programas educativos, deambulações naturais, experiências de aprendizagem”.

Na informação disponível sobre este programa, refere-se que “o Serviço Educativo sugere actividades para famílias e põe os seus colaboradores a partilhar conhecimentos que vão da biologia à arte contemporânea”. Mas os colaboradores do Serviço Educativo da fundação, todos pagos a recibos verdes, dizem que foram deixados de fora do Sole.

O PÚBLICO tentou, sem sucesso, obter uma reacção à carta aberta por parte de Isabel Pires de Lima, administradora de Serralves nomeada pelo Estado. Já da parte da fundação, o gabinete de comunicação, numa nota de “esclarecimento”, começa por realçar que “Serralves está a cumprir todas as suas obrigações para com os seus colaboradores, bem como todas as regras decretadas no âmbito do Estado de Emergência”.

A seguir, nota que “os prestadores de serviços externos não têm vínculo laboral com Serralves, colaborando com várias outras entidades e prestando os seus serviços de acordo com as solicitações e necessidades da Fundação e a sua própria disponibilidade”. Lembrando que a suspensão desses serviços decorre do encerramento obrigatório de Serralves, a administração afirma que “o grupo de prestadores de serviços é composto por trabalhadores independentes ou empresas prestadoras de serviços, aos quais o Estado está a garantir medidas de apoio no contexto da crise em que vivemos”.

Os colaboradores confirmam ao PÚBLICO que os contratos de prestação de serviços existem “apenas para actividades desenvolvidas no âmbito dos projectos financiados por fundos europeus”, mas notam que alguns prestam esse serviço “a tempo inteiro e há mais de uma década”.

Já sobre os apoios que o Estado se comprometeu a prestar através da Segurança Social, eles são dirigidos aos trabalhadores independentes que viram a sua actividade totalmente interrompida. Mas os colaboradores de Serralves dizem que nunca foi intenção deles “interromper a actividade, como se pode verificar pelas propostas de teletrabalho” que apresentaram à fundação.

Na carta aberta, os colaboradores do SE anexam uma sucessão de correspondência com Serralves, entre meados de Março e o primeiro dia de Abril, em que enumeram um conjunto de projectos e actividades que conceberam a pedido da fundação, entre os quais o já referido Sazonalidades, mas também Bioblitz, Janelas para o Mundo, projectos em parceria com a Câmara Municipal do Porto para o presente ano lectivo, e também com a Escola Portuguesa de Macau.

A equipa de educadores refere ainda ter proposto várias actividades online, sem que Serralves lhes respondesse durante 15 dias.

“Gostaríamos que o conceito de ‘serviços efectivamente prestados’ pudesse, à luz da actual situação global, ser entendido de uma forma em que efectivamente fossem honrados os compromissos profissionais que ditam a nossa relação”, acrescentam os subscritores da carta aberta, reivindicando que o trabalho realizado deveria, “numa perspectiva ética e moral, ser reconhecido pela Fundação de Serralves e nesse sentido serem criadas medidas de compensação financeira aos seus colaboradores”, alguns dos quais chegam a trabalhar na instituição, ainda que sazonalmente, sete dias por semana.

BE apela ao Governo

Já esta segunda-feira, o Bloco de Esquerda (BE) acusou também a Fundação de Serralves de “descartar” trabalhadores a recibo verde, e perguntou ao Governo se irá interceder junto da administração daquela instituição.

Na plataforma despedimentos.pt, em que este partido denuncia abusos laborais, é referido que mais de 20 trabalhadores do SE de Serralves estão neste momento sem vencimento, depois de a administração ter recusado a realização de actividades à distância e online.

Os técnicos externos das exposições, por seu turno, também escreveram uma carta aberta a manifestar “grande empatia e solidariedade” para com os seus colegas, associando-se à sua “reivindicação e denúncia” e lembrando que se encontram em idêntica situação.

Em entrevista telefónica à Lusa, o deputado do BE José Soeiro considerou “inaceitável” que a Fundação de Serralves tenha “descartado” os trabalhadores a recibo verde, colocando-os “sem rendimento” e “sem acesso a protecção social”. Por isso, o partido enviou sete questões ao Ministério da Cultura sobre o tema, apelando para que “estas decisões sejam rapidamente revertidas” e para que se “encontrem os mecanismos de continuidade de rendimentos para aqueles trabalhadores”. Com Lusa

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