Cancelem as rendas! Contra a lógica da dívida
Os fundos imobiliários e os grandes senhorios, que já tanto dinheiro fizeram com a especulação imobiliária pré-covid, não deviam poder lucrar nem um cêntimo durante a atual fase de pandemia nem com a crise social e económica que aí vem.
Em tempos de pandemia, alguns setores produtivos foram obrigados a parar e outros foram obrigados a produzir mais do que nunca para conter o vírus. Já o setor rentista, que nada produz e em nada contribui para o bem-estar da sociedade, quer continuar a lucrar no presente e no futuro, alheio à crise sanitária que vivemos e à crise social e económica que se avizinha.
Segundo a recente proposta do Governo, quem ficou sem trabalho ou viu os seus rendimentos baixar drasticamente devido à pandemia poderá não pagar a totalidade da renda da sua casa, mas terá de se endividar para restituir o que não pagou ao senhorio durante o estado de emergência. Ou seja, quem não conseguir pagar a renda agora terá de pagar o valor em falta depois de a pandemia passar, mesmo que continue em situação de desemprego ou de carência económica. Se para a maioria da população já era difícil pagar as rendas altamente inflacionadas pela especulação imobiliária antes do surto da covid, será certamente ainda mais difícil pagá-las no futuro com o acrescento da dívida ao senhorio. Parece, por isso, óbvio que esta é uma solução insustentável.
Para além disso, é importante notar que será o Estado a emprestar o dinheiro aos arrendatários para que os senhorios continuem a receber as suas rendas. Numa fase em que milhares de pessoas foram despedidas e outros milhares trabalham incansavelmente para proteger toda a gente, parece absurdo que os senhorios, que enquanto tal pouco fazem para melhorar a vida coletiva, não possam perder um cêntimo de renda. A lógica devia ser a inversa. Os fundos imobiliários e os grandes senhorios, que já tanto dinheiro fizeram com a especulação imobiliária pré-covid, não deviam poder lucrar nem um cêntimo durante a atual fase de pandemia nem com a crise social e económica que aí vem.
O problema que resta (e o argumento mais usado para não defender o cancelamento das rendas durante o estado de emergência) parece ser o dos pequenos senhorios que só vivem de rendas e não têm poupanças para sobreviver de outra forma. Embora seja estranho alguém viver só de rendas, é claro que também estes senhorios devem poder subsistir durante a crise. Para estes casos concretos, podem ser desenhadas outras soluções, como, por exemplo, as que estão a ser pensadas para tantos trabalhadores a recibos verdes que ficaram sem rendimentos. Assim seria possível quebrar a lógica rentista, que de nada serve na proteção à pandemia e ao bem-estar social da população, e seria mais fácil toda a gente sobreviver em condições dignas.
Empurrar para depois do estado de emergência todo o dano social e económico causado pela pandemia é uma má opção. As rendas podem ser suspensas sem dívida e os senhorios vulneráveis podem ser ajudados pelo Estado. O mais importante é que ninguém passe fome por ter uma renda para pagar, ou corra o risco de perder a casa durante ou depois da crise. Em solidariedade: cancelem as rendas!
A autora escreve segundo o novo acordo ortográfico