“Condicionalidade” separa Itália e Holanda e dificulta acordo no Eurogrupo

Governos da zona euro continuam à procura de solução de compromisso que permitam o lançamento de uma primeira resposta conjunta à crise económica do coronavírus.

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LUSA/JULIEN WARNAND

Fazer a Itália e a Holanda entenderem-se sobre as condições que serão exigidas aos países que recorram à linha de crédito do Mecanismo Europeu de Estabilidade (MEE) é neste momento o que separa o Eurogrupo de uma solução de compromisso que permitiria à zona euro, já na próxima semana, ter uma resposta conjunta contra a crise para apresentar.

A proposta em cima da mesa é ainda, apurou o PÚBLICO, em larga medida a mesma que já tinha gerado um acordo classificado como “amplo” por Mário Centeno na última reunião do Eurogrupo, mas que não foi o suficiente para que se chegasse a uma posição consensual entre os líderes dos governos: é aberta a possibilidade de os países da zona euro recorrerem, caso o desejem, a uma linha de crédito do MEE num valor até 2% do seu PIB (o que no caso português corresponde a cerca de 4000 milhões de euros), beneficiando das taxas de juro baixas a que esta entidade consegue ir buscar dinheiro aos mercados.

É uma solução que fica longe de ser a completa mutualização da dívida que os países do sul, como a Itália, França, Espanha e Portugal pretendem, por via da emissão dos chamados “coronabonds”, mas, sendo mais aceitável pelos países do norte como a Alemanha, Holanda, Áustria e Finlândia, pode constituir pelo menos um primeiro apoio aos Estados na sua procura de financiamento nos mercados.

O obstáculo a um entendimento completo, contudo, está na definição da condições que serão exigidas aos Estados que recorram ao financiamento do MEE. A linha de crédito que se pretende usar (a Linha de Crédito com Condições Reforçadas, ECCL na sigla em inglês) prevê nas suas normas que há uma condicionalidade associada à sua utilização por parte dos países.

E aquilo que a maior parte dos países está disposta a aceitar é que se assuma uma versão bastante mais leve das condições, apenas estabelecendo que o dinheiro é usado no âmbito do combate aos efeitos negativos da pandemia, sem que sejam feitas exigências semelhantes às dos programas de resgate da troika, por exemplo, forçando os países a metas de saldo orçamental específicas e reformas estruturais.

Mesmo do lado da Alemanha parece haver abertura a um relaxamento muito acentuado das condições. Em preparação para a próxima reunião do Eurogrupo, o Ministério das Finanças alemão realizou um documento de trabalho, divulgado pelo jornal Politico, em que era a assumida a disponibilidade para “abandonar, tanto quanto for possível, a estrita condicionalidade macroeconómica”.

No entanto, Itália e Holanda continuam reticentes em aceitar esta solução. Do lado italiano pretende-se que fique definido por escrito que não é estabelecida qualquer condição para o acesso à linha de crédito. E do lado holandês pretende-se que fique escrito que serão estabelecidas condições de longo prazo. Encontrar, na reunião do Eurogrupo da próxima terça-feira uma maneira de fazer convergir estas duas posições é o desafio.

Em declarações ao PÚBLICO, o vice presidente da Comissão Europeia, Valdis Dombrovskis reconheceu que “os ministros ainda estão a discutir qual o tipo de condicionalidade” e que “as visões dos Estados-membros em relação a este tópico são muito diferentes”.

Explicando que a proposta feita pelo MEE foi “de uma condicionalidade em duas etapas, primeiro com uma concentração na resposta ao coronavírus e numa fase mais tardia vendo até que ponto se pode aplicar uma condicionalidade macrofinanceira mais clássica”, Dombrovskis defende que “a condicionalidade não pode simplesmente ser levantada uma vez que é um requerimento jurídico”, mas que “o fundamental é encontrar um compromisso pragmático”.

Embora as discussões estejam concentradas nesta solução, isso não quer dizer que não sejam colocadas em cima da mesa outras ideias na próxima reunião do Eurogrupo. A França, por exemplo, tem a sua própria proposta de criação de um fundo a que os vários países poderiam aceder. E a emissão de “coronabonds” continuará a ser defendida por várias capitais, provavelmente esbarrando na oposição de outras.

Para além disso, o Eurogrupo irá também querer avançar com algumas das medidas entretanto propostas pela Comissão Europeia, nomeadamente o programa Sure, assente no conceito de “trabalho de curta duração apoiado pelo Estado”, com um valor estimado de 100 mil milhões de euros, e o lançamento de novas linhas de crédito por parte do Banco Europeu de Investimento (BEI).

Todas estas discussões acontecem numa altura em que já começam a ser divulgados os primeiros indicadores económicos que confirmam uma quebra de dimensão inédita na actividade económica na Europa durante o mês de Março. Os indicadores avançados relativos à produção industrial (PMI) caíram no mês passado a um ritmo nunca visto antes na série histórica e o número de novos pedidos de desemprego em países como a Espanha ou a Alemanha ultrapassaram anteriores máximos.

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