Um primeiro dia de aulas sem aulas — só meetings

O professor abre o meeting e estamos todos lá dentro. Muitos sem câmaras. Sem microfones ligados. Estou mesmo a ter uma aula? Aguarda-se.

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Foi mais um dia de aulas. Terá sido? Já estive em tantos, porque haveria de ser diferente? É verdade, aquele foi distinto dos outros. Foi o primeiro de uma saga de muitos.

Na segunda-feira, 23 de Março, começaram, na Universidade de Aveiro e noutras, as aulas remotas. Tudo se processou devagar. Parecia estar no meu primeiro dia de aulas. Parecia estar a iniciar o semestre. Tão morosamente se iniciam — e num flash se fecham. 

Às 9h lá estava eu à frente do computador. Enquanto bebia o meu café, certificava-me que tinha todos os programas abertos para aquela aula. Entra-se e nem se diz bom dia. O professor abre o meeting e estamos todos lá dentro. Muitos sem câmaras. Sem microfones ligados. Estou mesmo a ter uma aula? Aguarda-se. O professor termina os últimos preparativos. Um silêncio assombra-se sobre o início. Cada uma navega no seu computador. Estamos na aula? Ninguém está. Se estão, ninguém sabe. Escondemo-nos por trás daquele monitor. 

O professor aparece e inicia a aula. Começa pelos problemas técnicos que lhe assomaram. Depois inicia. Pergunta-nos se o ouvimos. Partilha o ecrã. Pergunta se vemos o ecrã. Remove a partilha. Pergunta se retirou. Volta a partilhar. Pergunta se estamos a ver. Deixa de nos ouvir. Na verdade, ninguém está muito entusiasmado para responder. Pergunta se o ouvimos. As respostas aparecem de um ou outro. Fica-se sempre na dúvida se alguém está a prestar atenção. 

Termina às 11h e inicia-se outra aula às 11h. Saímos do meeting, entramos noutro meeting. A turma é a mesma. Mudou o professor. Começa pelos problemas técnicos. Em aulas presenciais os problemas técnicos existem, mas como já os conhecemos são facilmente ultrapassáveis. Entre partilhas de ecrã, a professora já não sabe o que está a partilhar. A câmara não conecta. Faz perguntas de sim ou não que os alunos tendem a não gostar de responder. Mais um problema técnico. Existe um silêncio. Não é quebrado. Nas aulas presenciais o silêncio não é silêncio. Sorrimos para o colega do lado. Aqui? Olho para os lados… estão vazios. Não sorrio. Não há piadas. Não há trocas de olhares. Há outras coisas...

Saio de um meeting com um X. Ou então expulsam-me. Nem me tive de levantar para sair da sala. Não há uma porta. Quando saio, não vou para o corredor do departamento. Estou no ambiente de trabalho. É toda uma escola nova. Tenho, portanto, uma escola no meu computador. Vazia? 

Terminamos às 13h, para iniciar às 14h. Desta vez almoço sozinho. Diferente de outras segundas-feiras. Tenho de me avezar. Iniciamos nova aula, como é normal, um pouco depois. Novo meeting. Nova professora. Tudo semelhante. Parecia estar na aula da manhã. Passado duas horas, saio do meeting e entro noutro. Mais dificuldades. Tudo bem. Termino às 18h com a sensação de que estou mais perdido do que no início do dia. Um primeiro dia de aulas em que não tive aulas, tive meetings. Vários encontros… em que não me encontrei. Não encontrei ninguém na verdade. É mundo novo. Passamos agora todos por isso.

E chego a casa às 18h. De volta a um local do qual nunca saí… 

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