Covid-19: Trabalho nas vinhas do Douro prossegue sem interrupções mas com preocupações
Há falta de mão de obra, o transporte dos trabalhadores para as vinhas implica uma logística complicado e reaceia-se que no fim não haja escoamento.
Pequenos e médios viticultores do Douro intensificam nesta altura o trabalho nas vinhas, mas alguns queixam-se de dificuldades em arranjar mão-de-obra devido à covid-19 e temem o futuro por causa da redução do consumo de vinho.
O “ciclo da vinha” está a começar no Douro, tendo como ponto alto as vindimas lá para Setembro e Outubro. As videiras cobrem-se de folhas, o fruto espreita e o trabalho aumenta nesta que é a mais antiga região demarcada e regulamentada do mundo.
Neste território, os viticultores têm enfrentado vários problemas ao longo dos anos, desde as doenças que afectam a produção, as intempéries ou a seca. Este ano o desafio é maior e chama-se covid-19.
“Está a ser muito complicado e a agricultura é sempre o elo mais fraco”, afirmou à agência Lusa Fernando Borges, 47 anos, produtor de Guiães, concelho de Vila Real, e que faz parte da Associação de Agricultores Douro e Corgo, que está em fase de instalação.
O responsável afirmou que está a ser “muito difícil arranjar mão-de-obra” e reconheceu que algum trabalho poderá ficar por fazer como, por exemplo, a despampa (técnica de controlo que consiste em retirar os ramos não produtivos da videira), em que são precisas mais pessoas.
E o maior problema é, observou, o transporte dos trabalhadores para as vinhas e não o trabalho em si, já que estes podem ser colocados em valados ou patamares separados, cumprindo as regras de segurança. “Agora, para transportar seis mulheres ter de fazer três viagens de 12 quilómetros, não é fácil”, apontou.
Fernando Borges já aplicou um tratamento na vinha e disse que, após a queda de neve que se fez sentir na terça-feira, terá de efectuar outro. “Os tratamentos a mim não me incomodam muito porque tenho o tractor e consigo fazer sozinho”, frisou.
No entanto, apontou “um aumento dos produtos fitofarmacêuticos” em relação ao ano passado e exemplificou que gastou cerca “de 1.500 euros para fazer um tratamento nos seus 20 hectares de vinha”.
Em Gouvães do Douro, Sabrosa, António Pereira, 62 anos, está numa fase de impasse apesar de ainda haver “podas por fazer e herbicidas e sulfate para aplicar”.
“Com medo o pessoal já não apareceu. Nós tínhamos aqui uma equipa de cinco a seis pessoas e na segunda-feira já não vieram com medo à covid-19”, disse à Lusa.
A maior dificuldade, segundo disse também este produtor, é o transporte dos trabalhadores que, no seu caso, estavam ao serviço de um empreiteiro agrícola que utilizava uma carrinha de nove lugares.
No terreno, a GNR tem também estado atenta à lotação dos veículos.
“Parámos porque eu sozinho não conseguia, é uma grande área. Estamos à espera”, referiu, acrescentando que toma conta de cerca de 20 hectares de vinha onde o trabalho “ainda é feito de forma manual”.
Maurício Sequeira, de 57 anos e residente em Mafómedes, Santa Marta de Penaguião, anda a aplicar o herbicida nos 14 hectares de vinha e prevê, nos próximos dias, começar com o sulfate e a despampa.
“O problema agora que existe é o pessoal. Transportar o pessoal para as vinhas é complicado. Temos andado com dois carros, uma carrinha e o jipe que serve de apoio para levar as mulheres à vinha”, contou.
Este agricultor queixou-se também do preço dos produtos fitofármacos e da falta de material, como óculos, máscaras e fatos, necessários para a sua aplicação.
António José Sobrinho, de 68 anos, tem andado a deitar adubo nos cinco hectares que possui em Sanfins do Douro, concelho de Alijó. “Nesta altura do ano e derivado à pandemia tento andar a trabalhar só eu e a minha mulher para evitarmos contactos com outras pessoas”, referiu.
Uma preocupação comum a estes viticultores é a quebra que “já se está a sentir nas vendas de vinhos”, tanto de vinho do Porto como de consumo, porque este não é um bem de primeira necessidade, por causa do fecho ao público dos restaurantes e da diminuição nas exportações.
“Corremos o risco de, quando chegarmos às vindimas, haver pouca procura de uvas porque as firmas e as adegas estão cheias porque não houve venda. Este vírus só vem desgraçar a nossa economia”, afirmou António Pereira.
Este viticultor disse temer ainda uma “diminuição do preço das uvas” e considerou que, devido “à impossibilidade de se aplicaram todos os tratamentos necessários, muitas vinhas podem ficar a monte”.
“A minha principal preocupação é a nível da economia. Se fosse só no nosso país, mas isto está a complicar-se tudo a nível mundial”, referiu António José Sobrinho.
Também Maurício Sequeira considerou que o problema “financeiro vai ser o mais complicado” e lembrou que as Caves de Santa Marta, adega da qual é associado, “exporta para o mundo”, mas que o “mundo também está fechado”.
Referiu ainda que, se este ano for reduzido o benefício, a quantidade de mosto que cada viticultor pode transformar em vinho do Porto, a situação dos produtores ficará ainda “mais complicada”.
“Eu vivo da vinha e do vinho e tenho créditos a pagar. Nós não podemos atirar a toalha ao chão porque isto vai passar”, afirmou Fernando Borges.