Covid-19: número de mortes em Itália e Espanha continua a aumentar. Quando vai parar?

Relatório prevê que um número “significativo” de pessoas em Itália provavelmente continuará a morrer até meados de Abril ou início de Junho.

Foto
Num hospital em Brescia, em Itália ANDREA FASANI/Reuters

Os números de casos e mortes de covid-19 continuam a impressionar-nos. Em Itália, já morreram mais de 13.000 pessoas com a doença e um relatório alerta que um “número significativo” provavelmente continuará a morrer até pelo menos meados de Abril. Em Espanha, embora se tenha batido um recorde no número de mortes anunciado esta quarta-feira, o aumento percentual de mortes tem vindo a diminuir. 

“A grande maioria das pessoas em Itália percebeu finalmente, com algumas excepções, [que deve ficar em casa] e devo dizer que as ordens estão a ser bem seguidas”, desabafa Francesco Galassi, médico e paleopatologista italiano. “Ao mesmo tempo, como cidadão e cientista, estou desapontado por ter sido preciso restringir a liberdade de movimento gradualmente, quando desde o primeiro decreto governamental as pessoas deviam ter ficado em casa.” A Itália prolongou esta quarta-feira as medidas de confinamento até 13 de Abril. 

Francesco Galassi realça que no início os meios de comunicação menosprezavam a doença e algumas pessoas encaravam-na de ânimo leve. Apesar de tudo isso, assinala: “Estamos a ter um bom desempenho e o sistema parece resistir. As próximas semanas serão fundamentais para vermos se aprendemos a lição e conseguimos salvar o país.”

Esta quarta-feira foram anunciadas 727 novas mortes relacionadas com o vírus (menos 110 do que no dia anterior) em Itália. Até agora, registaram-se 13.155 óbitos. Também se registaram 2937 casos novos (no dia anterior foram mais 2017). Até ao momento, Itália já contabilizou 110.574 casos positivos.

Francesco Galassi refere que os novos casos positivos podem ser atribuídos ao movimento de pessoas nas últimas semanas, o que levou o Governo italiano a actualizar muitas vezes as restrições. Outros factores epidemiológicos estão a ser estudados e o equipamento limitado para profissionais de saúde também pode ter contribuído, dado o elevado número de médicos infectados.

Modelo optimista e pessimista

Para analisar os números da epidemia em Itália, Davide Manca (do Politécnico de Milão) preparou um relatório para a Sociedade Europeia de Anestesiologia. O cientista analisou dados da situação em Itália até segunda-feira através de dois modelos matemáticos. Resultados: os números de mortos continuarão a aumentar a alta velocidade. “Um número significativo de pessoas provavelmente continuará a morrer até pelo menos meados de Abril e isso poderá continuar até início de Junho”, lê-se num comunicado sobre o relatório.

No modelo mais optimista, espera-se que 98% das mortes em hospitais em Itália ocorram até 15 de Abril. Já no modelo mais pessimista, prevê-se que 98% das mortes aconteçam até 3 de Junho na Lombardia e até 4 de Junho no resto do país. Os modelos também indicam que o aumento máximo de mortes em hospitais se dê entre 28 de Março e 1 de Abril na Lombardia e entre 28 de Março e 2 de Abril no restante país. O cientista frisa que a diferença existe, porque as medidas de distanciamento social foram adoptadas primeiro na Lombardia.

O relatório sugere ainda que o aumento de número de doentes nas unidades de cuidados intensivos tanto na Lombardia como em toda a Itália já terá atingido um pico, mas que o número de mortes continuará a crescer nos próximos dias. “Hoje há muitas mortes em Itália como consequência do pico do aumento diário de doentes de cuidados intensivos há cerca de 14 a 16 dias tanto na Lombardia como em Itália em geral”, explica ao PÚBLICO Davide Manca.

Nos últimos dias, o número de doentes nessas unidades teve um aumento de menos de dez pessoas por dia na Lombardia, devido ao facto de terem atingido a sua capacidade. Já nas regiões do Centro e do Sul, o número cresceu entre 50 e 75 doentes por dia, comparativamente aos anteriores 180 a 240 doentes que entravam nessas unidades entre 13 e 23 de Março. Esta quarta-feira anunciou-se que há 4035 pessoas nas unidades de cuidados intensivos, mais 12 do que no dia anterior. 

Foto
Unidade de cuidados intensivos no Hospital San Raffaele, em Milão Flavio Lo Scalzo/Reuters

Davide Manca faz questão de dizer que as actuais medidas adoptadas em Itália são “suficientemente rigorosas”. “Um efeito positivo das medidas de distanciamento social é que o número de novos doentes nas unidades de cuidados intensivos começou a não aumentar pela primeira vez na Lombardia e até começou a diminuir na segunda-feira pela primeira vez”, nota. “O número de doentes nas unidades de cuidados intensivos no resto de Itália também tem aumentado diariamente a um ritmo muito mais baixo. O número de mortes deverá seguir dinâmicas semelhantes com um atraso temporal pelo menos de 15 a 20 dias.”

Francesco Galassi vive na Sicília e diz que a situação no Sul não é tão má como no Norte do país. “Estamos preocupados com as camas disponíveis nas unidades de cuidados intensivos e com as pessoas que continuam a chegar ao Sul, apesar de terem ordens para não o fazer”, assinala, referindo que se espera que o pico na Sicília seja atingido entre finais e meados de Abril. “Sei que as pessoas estão cansadas de estar em casa e querem recomeçar as suas vidas, mas por agora é demasiado arriscado. Devemos continuar dentro de nossas casas”, apela.

Das urgências aos cuidados intensivos

Em Espanha, o número de casos confirmados já ultrapassou os 102 mil e registaram-se 9053 mortes. Esta quarta-feira foi anunciado um número recorde diário de mortes (864 óbitos), mas o Ministério da Saúde espanhol assinalou que o aumento percentual de mortes é menor do que nos últimos dias.

Vivem-se dias muito intensos nos hospitais espanhóis. “[Vejo] morrer um doente atrás de outro”, contou um médico ao jornal espanhol El País. “Nunca imaginei que iria viver algo assim”, revela outro. Contudo, nos últimos dias, há hospitais que têm registado um decréscimo nas idas às urgências, o que pode dar “uma esperança de que o pior tenha passado”, refere o jornal.

“Está a vir menos gente às urgências”, disse um profissional de saúde de Madrid. Já outro hospital de Barcelona registava 300 urgências por dia e agora está abaixo das 200. Um hospital em Sevilha também refere que a entrada de doentes estabilizou. Mas a situação pode não ser a mesma em toda a Espanha, onde a epidemia avança a diferentes velocidades. “Há uma impressão geral” de que a afluência de pacientes às urgências esteja a descer, apesar da falta de dados, afirmou ao El País Juan Armengol, presidente da Sociedade Espanhola de Medicina de Urgências e Emergências. “Baixou pelo menos na comunidade de Madrid, enquanto noutras comunidades, como a da Catalunha, a subida é mais moderada ou terá parado.”

Por outro lado, estima-se que as unidades de cuidados intensivos entrem em colapso em breve, noticia o jornal espanhol El Mundo. Espera-se que esta situação ocorra, porque os casos continuam a aumentar e há doentes que permanecem nas unidades há mais de 20 dias.

Mas nem tudo são más notícias: esta semana, cientistas do Imperial College de Londres previram que com as medidas restritivas de 11 países (que não incluem Portugal) foram provavelmente evitadas entre 21 mil a 120 mil mortes até final de Março.

Sugerir correcção
Ler 20 comentários