A experiência arriscada da Suécia com a covid-19
As autoridades de saúde mantêm escolas, restaurantes e bares abertos. Um dos argumentos é que os suecos já fazem, por norma, distanciamento físico e social, muitos trabalham em casa e gostam de algum isolamento.
Numa Europa onde a maioria dos países decidiu impor grandes restrições na vida diária, há um que se destaca pela abordagem menos draconiana: a Suécia. Os bares e restaurantes continuam abertos – só não há pessoas sentadas ao balcão. As escolas também estão a funcionar. O limite para ajuntamentos em público é de 50 pessoas – um enorme contraste com, por exemplo, a Alemanha que decidiu banir encontros entre mais de duas pessoas, depois de tentar em vão apelar ao bom senso e responsabilidade social e ter ainda assim esplanadas e parques cheios.
Outro país seguiu a mesma estratégia de manter abertas escolas, a Islândia, mas este pequeno país assentou a sua estratégia de controlo do coronavírus em testar o máximo de pessoas.
Na Suécia, porém, só são testados os que têm sintomas tão fortes que procuram tratamento hospitalar, ou residentes em lares de idosos que apresentem sintomas, diz a revista Foreign Policy – o que explica que o número de casos detectados se mantenha relativamente baixo.
Na Suécia, registaram-se 4028 casos de infecção pelo novo coronavírus e 180 mortes de covid-19. Comparando com a vizinha Noruega, usando os dados da Universidade Johns Hopkins (EUA), o número de casos até nem é muito diferente (4435 infectados) mas o número de mortes sim (apenas 35 na Noruega).
A abordagem sueca tem várias explicações e foi definida pela autoridade de saúde, que toma as decisões sem interferência política, como dita a Constituição, uma especificidade do país. Por outro lado, na Suécia há muitas pessoas a viver sozinhas e há menos contacto entre gerações do que em países como Itália ou Espanha: mais de metade dos lares suecos são compostos por apenas uma pessoa, a maior proporção da Europa, segundo dados do Eurostat citados pela emissora britânica BBC.
Facilidade no teletrabalho
Há ainda muitos trabalhadores com flexibilidade tanto no horário como no local em que trabalham (dois terços trabalham em casa pelo menos uma parte do tempo, segundo a Fundação de Internet da Suécia). E as empresas desencorajam, sempre, os que não se sentem a 100% de ir trabalhar, para evitar que, caso estejam doentes, contagiem os outros. O pagamento para quem está de baixa é generoso, aponta a BBC.
Os suecos também estão habituados a distância física nos espaços públicos, e a seguir as instruções das autoridades. O apelo feito pelo primeiro-ministro para que não se realizassem visitas a familiares idosos e para que as pessoas trabalhassem em casa foi logo cumprido (pelas pessoas e pelas empresas). “Há poucas alturas decisivas na vida em que é preciso fazer sacrifícios não só por nós próprios, mas também pelos que estão à nossa volta, os outros seres humanos, e o nosso país”, disse o primeiro-ministro Stefan Löfven. “Esta é uma dessas alturas.”
As pessoas têm deixado de ir a cinemas, por exemplo, e de andar em transportes públicos. Tanto que até aconteceu a autoridade de saúde desaconselhar o cancelamento de actividades de deporto de clubes juvenis, argumentando que estas são importantes para a saúde em geral.
O principal responsável pela política de saúde do país, o responsável pela área de epidemiologia, Anders Tegnell, explicou ao jornal britânico The Observer as razões de algumas decisões: as escolas mantém-se abertas, explicou, porque fechá-las deixaria pelo menos um quarto de médicos e enfermeiros a ter de ficar em casa com os filhos, e aumentaria ainda em geral o risco de as crianças serem deixadas com os avós.
Tegnell diz ainda que não há, a seu ver, provas de que as abordagens de outros países tenham resultados diferentes a médio prazo. “Não ficaria muito surpreendido se acabássemos por ficar mais ou menos na mesma situação, independentemente do que estamos a fazer”, declarou ao Observer. “Não tenho tanta certeza de que o que estamos a fazer afecte assim tanto a disseminação. Mas vamos ver.”
"Não fazemos ideia"
Nem todos os peritos de saúde suecos concordam com esta abordagem. Numa carta aberta, dois mil cientistas pediram à autoridade de saúde que reconsidere e imponha medidas mais estritas. “Quantas mais vidas estão dispostos a sacrificar só para não termos isolamento e arriscar efeitos na economia?”, perguntou Joacim Rocklöv, professor de epidemiologia da Universidade Umea.
Ao Financial Times, Rocklöv disse que o que está a ser feito na Suécia “é uma enorme experiência”. “Não fazemos ideia. Pode resultar”, admitiu. “Mas também pode ir completamente na direcção errada.”
“A resposta sueca e o seu resultado vão ser analisados durante anos e anos”, disse à Foreign Policy Lars Tragardh, historiador e comentador cuja pesquisa se centra no modelo nórdico de estado social. “Temos algumas vantagens estruturais”, sublinhou. “Não só a nossa forma de particular de governo e o grande nível de confiança das pessoas [nas autoridades] é uma vantagem, mas também por sermos um país pouco povoado, sem grandes aglomerações, onde há muitos lares de uma só pessoa, e onde distanciamento social é basicamente uma característica nacional”, resumiu Tragardh. “Como disse a actriz sueca Greta Garbo: ‘Quero que me deixem em paz’. Bom, essa preferência sueca pode ser uma vantagem em tempo de pandemia.”
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