EUA levantam sanções à Venezuela se Maduro ceder o poder a um governo de transição
Washington propõe executivo de unidade nacional, sem o chefe de Estado e sem Guaidó, e eleições no fim do ano, com o presidente da Assembleia Nacional como candidato. Grave crise económica e ameaça do coronavírus são argumentos para convencer aliados de Maduro.
Uma semana depois de ter acusado Nicolás Maduro, e outros dirigentes venezuelanos socialistas, de envolvimento no tráfico de droga internacional e de pôr sobre a cabeça do Presidente uma recompensa de 15 milhões de dólares, o Departamento de Estado norte-americano apresentou, esta terça-feira, um plano de transição democrática para a Venezuela, que envolve a junção de membros do Partido Socialista (PSUV, no poder) e de adversários do regime no mesmo governo e o aliviamento das sanções económicas ao país.
A Administração Trump exige que Maduro saia de cena e que permita que a Assembleia Nacional – controlada pela oposição ao chavismo e liderada pelo autoproclamado presidente interino, Juan Guaidó – “eleja um governo de transição inclusivo e aceitável para as principais facções”, e organize e supervisione a convocação de eleições “livres e justas” nos próximos seis a doze meses.
O plano dos Estados Unidos sugere, no entanto, que o próprio Guaidó não faça parte desse executivo de unidade nacional. Mas insta-o a candidatar-se ao lugar de Maduro nas próximas eleições.
Até porque, sublinhou o secretário de Estado norte-americano, Mike Pompeo, em conferência de imprensa, a Casa Branca continua a reconhecer o presidente da Assembleia Nacional como chefe de Estado legítimo da Venezuela – tal como Portugal – e vê-o como o candidato ideal.
“É o político mais popular da Venezuela, se as eleições fossem hoje acredito que lhe correriam incrivelmente bem”, afirmou Pompeo. “Quando iniciámos este caminho até à democracia trabalhámos aprofundadamente com ele”.
Mais directo, o representante especial dos EUA para a Venezuela, Elliot Abrams, revelou: “O nosso plano prevê um governo de transição até às eleições, nas quais Guaidó será o candidato dos partidos democráticos”.
Sobre a possibilidade de Maduro também concorrer nessa eleição, descrita como “teoricamente” possível por Abrams, num artigo de opinião, publicado esta terça-feira no Wall Street Journal, Pompeo foi taxativo: “Já deixámos bastante claro, há algum tempo, que Nicolás Maduro não voltará a governar a Venezuela”.
À escuta estava Juan Guaidó, que no fim-de-semana já tinha apresentado a sua própria proposta para um governo nacional de emergência, que pudesse, nas suas palavras, dar uma resposta mais eficiente à ameaça do novo coronavírus na Venezuela.
“Falei com o secretário Pompeo para agradecer o apoio dos EUA à formação de um Governo de emergência e de um Conselho de Estado para resolver a crise”, escreveu no Twitter, apontado as baterias a Maduro: “Que o usurpador assuma agora a sua responsabilidade e aceite a oferta da comunidade internacional”.
Apelo aos aliados de Maduro
Intitulado de Enquadramento de Transição Democrática para a Venezuela, o plano americano propõe ainda a retirada de “todas as forças de segurança estrangeiras do país” – numa referência aos cubanos e russos que apoiam Maduro –, a libertação imediata dos “presos políticos” e a substituição dos membros do Supremo Tribunal e do Conselho Nacional Eleitoral.
Face à enorme improbabilidade de o Presidente aceitar estes e os outros termos, os EUA procuram convencer deputados e dirigentes do PSUV, bem como os militares, a considerá-la.
O Departamento de Estado sugere a criação de uma “Comissão da Verdade e da Reconciliação” e promete acabar com as sanções individuais aos membros do Governo, se estes abdicarem dos seus cargos, mas aceita que as chefias militares e os dirigentes políticos estaduais e municipais possam manter os seus postos durante o período de transição.
A grande arma de pressão norte-americana é, ainda assim, a promessa de levantamento das sanções à economia venezuelana como um todo e, principalmente, as que incidem especificamente sobre a exploração petrolífera estatal – a principal fonte de rendimento do país.
E face à crise sanitária que se avizinha na Venezuela, por causa do novo coronavírus, a Casa Branca acredita no efeito de uma alteração das circunstâncias a seu favor.
Covid-19 assusta
Apontada há muito tempo como um dos países da América do Sul mais vulneráveis à propagação do coronavírus, devido à grave crise económica, social e humanitária em que se encontra, à Venezuela falta-lhe quase tudo para combater a pandemia.
Há escassez de medicamentos nas farmácias, o sistema de saúde está muito debilitado pela falta de meios e de investimento e a capacidade do Estado para impôr medidas de quarentena e de isolamento social à população adivinha-se complicada, tendo em conta a quantidade de pessoas que depende da economia informal para sobreviver.
Todos estes riscos são potencialmente multiplicados quando a pobreza em algumas cidades e regiões do país é extrema, quando não as condições de habitabilidade são reduzidas, quando há falhas de distribuição e produção alimentar e quando o fluxo de movimentações internas e externas é elevado – as organizações de direitos humanos estimam que cinco milhões de venezuelanos abandonaram o país nos últimos cinco anos.
“[O plano pretende] ajudar os venezuelanos a escaparem da crise nacional que a queda do preço do petróleo e o coronavírus vieram aprofundar”, escreveu Abrams, no Wall Street Journal. “Talvez esta pressão possa levar a uma discussão séria dentro do regime”.