Como duas mulheres “ligaram” os telemóveis dos doentes de covid-19 em Madrid
Inês e Tatiana lançaram uma campanha de crowfunding para dar às centenas de pessoas internadas no mega-hospital de campanha da capital espanhola a possibilidade de falarem com a família e quebrar o seu isolamento. Depois dos powerbanks, cabos, racks, headphones e adaptadores, já pensam no “wi-fi”.
É um cenário de guerra: 1400 esteiras, alinhadas a escassos metros de distância umas as outras, onde se vão deitando os doentes de covid-19 vindos das urgências de outros hospitais de Madrid sem nada à volta senão o eco, centenas de vezes repetido, da sua própria fragilidade.
Inês Senna estava a ler as notícias na terça-feira de manhã, na sua casa, em Madrid, quando viu as imagens do hospital de campanha erguido, numa operação-relâmpago de 48 horas, pela Unidade Militar de Emergência do Exército. Num dos grandes pavilhões do IFEMA (Instituto de Feiras de Madrid), no agora chamado hospital “Arca de Noé”, estão já 1400 “camas”, 96 das quais de cuidados intensivos. Outros pavilhões podem seguir-se, até atingir as 5500 camas.
Inês, nascida em Madrid, filha de pais portugueses, começou a imaginar as condições em que aquelas pessoas iam ficar ali, sem nada além de uma cama e cuidados médicos: “Afastadas das famílias, algumas há vários dias, e certamente já sem bateria no telemóvel para as contactar nem uma tomada para ligar o carregador…”
À técnica de marketing da IBM na capital espanhola ocorreu logo uma ideia: lançar uma campanha especial de crowdfunding para comprar carregadores de bateria (powerbanks) para os telemóveis dos doentes. Ligou à amiga Tatiana Rodriguez-Curiel, que lhe acrescentou entusiasmo e meios, e logo começaram a trabalhar. Tinham os contactos certos: o marido da Inês é amigo do director do hospital, e através da IBM tinha acesso a várias empresas de fornecedores dos powerbanks. E duas agendas muito ricas.
Às 16 horas de terça-feira, a campanha estava online, com uma mensagem simples: “No hospital de IFEMA as camas não têm um ponto de electricidade para carregar os telemóveis. Os doentes não podem contactar com as suas famílias e amigos, situação que provoca angústia a uns e a outros. O nosso objectivo é prover o hospital com carregadores de bateria externos que permitam aos internados manter o contacto com o exterior”.
“Foi tudo muito a correr, podíamos ter feito algumas coisas melhor. Mas nessa noite já tínhamos 11 mil euros. Na quarta-feira liguei para fornecedores e o que tinha os powerbanks disponíveis era uma empresa em Portugal”. Estavam novos, como tal descarregados. “Foram carregados um a um, ao longo do dia, viajaram de Portugal para Espanha e na quinta-feira de manhã já estavam a ser entregues aos doentes”, conta Inês, entusiasmada.
Em menos de 24 horas tinham angariado os 25 mil euros de objectivo inicial, mas Inês e Tatiana perceberam que não podiam parar. Depois dos powerbanks, pediram-lhes headphones e no dia seguinte já estavam mil a caminho. Era preciso também pensar como carregar as powerbanks e as baterias dos telemóveis. As duas amigas desdobraram-se em contactos e conseguiram que lhes oferecessem algumas centrais de carregamento (com gavetas para telemóveis e carregadores, ou racks), que devem chegar nos próximos dias. Agora já pensam na instalação de “wi-fi”.
Esta sexta-feira, os números eram expressivos: foram já entregues 900 powerbanks, 500 cabos para carregar, 500 adaptadores para os diferentes modelos de telemóveis, sete máquinas para carregar telemóveis (racks). E estavam a chegar mais 2000 headphones, 1000 powerbanks, assim como máquinas para carregar e material de papelaria para os postos de controlo dos médicos.
“Está a ser estoirante, mas muito, muito emocionante”, diz Inês, com um sorriso na voz. A campanha vai continuar, até onde for preciso.