À custa do coronavírus, Viktor Orbán conquista poderes plenipotenciários para governar a Hungria
Oposição e organizações de defesa dos direitos humanos acusam o partido no poder de querer silenciar jornalistas aproveitando-se da situação de emergência no país devido ao coronavírus.
Não conseguiu logo à primeira, mas na segunda vez que a proposta para estender o período e a abrangência do estado de emergência na Hungria foi à votação no Parlamento de Budapeste, o primeiro-ministro, Viktor Orbán, conquistou o poder para governar por decreto por tempo indeterminado. A medida, justifica o Governo, é essencial para garantir o sucesso dos seus esforços para travar a pandemia de coronavírus que já provocou 15 mortes no país.
Além de garantir poderes plenipotenciários ao primeiro-ministro — que poderá a partir de agora suspender a aplicação de determinadas leis, o trabalho do Parlamento ou o calendário eleitoral do país — a maioria do partido Fidesz de Orbán aprovou também a condenação, com penas que podem ir até cinco anos de prisão, de indivíduos acusados de “dificultar” a aplicação de medidas de contenção do vírus ou disseminar “informação falsa” e factos distorcidos”, susceptíveis de causar alarme ou instabilidade social.
As organizações de defesa dos direitos humanos dizem que a forma como a lei foi escrita permite ao Governo silenciar jornalistas. As medidas mereceram ainda fortes críticas de membros do Parlamento Europeu, que em 2019 aprovaram a abertura de um processo de infracção à Hungria, por violação das normas do Estado de Direito que regem os países da União Europeia, e também chamaram a atenção de líderes de instituições como as Nações Unidas ou a Organização para a Cooperação e Segurança da Europa.
O antigo primeiro-ministro italiano, Matteo Renzi, considerou que depois desta votação, a Hungria deveria ser imediatamente expulsa da União Europeia. Menos histriónicas, outras vozes europeias exigem que o inquérito em curso ao comportamento do Governo de Budapeste seja intensificado para impedir uma crise constitucional no país.
O secretário de Estado da Hungria, e porta-voz do Governo, Zoltán Kovács, usou o Twitter para criticar aqueles que “falsamente se referem a um golpe de Estado”, considerando que “tais insinuações, incorrectas e difamatórias, impedem o trabalho do Governo para travar a propagação do coronavírus”.
Um prazo de uma semana separou a primeira e segunda votação do projecto de lei preparado no Ministério da Justiça e que dá plenos poderes ao Governo no combate à pandemia. Orbán não retirou lições políticas do chumbo inicial, e submeteu o mesmo diploma a nova apreciação, jogando com as regras parlamentares que baixam a fasquia da aprovação de quatro quintos para dois terços — a maioria de que dispõe o Fidesz. A lei foi aprovada com 137 votos a favor, 53 contra e nove abstenções.
Durante o debate, alguns deputados da oposição salientaram que apoiam os esforços do Governo para gerir a crise, mas propuseram que os poderes executivos fossem limitados por agora, sendo que o Parlamento poderia restituí-los quando fosse necessário. Mas todas as propostas de emenda apresentadas pela oposição foram rejeitadas pelos membros do Fidesz.
O secretário de Estado para os Recursos Humanos, Bence Retvari, assegurou que o executivo apenas pretende usar o novo poder para adoptar as medidas necessárias para combater o vírus, e salientou que os legisladores podem a qualquer momento retirar esse direito ao Governo. “Isto é uma autorização limitada no tempo e no alcance, dedicada apenas ao coronavírus, e vocês gritam ditadura”, insistiu. Para reverter a decisão, a oposição terá que submeter a votação uma nova proposta, que exige uma maioria de dois terços e está sujeita ao veto presidencial.
De acordo com o Governo húngaro, o pico da pandemia do novo coronavírus no país será em Junho ou Julho, e nos próximos dias será apresentado um pacote de estímulos à economia. Até esta segunda-feira, a Hungria tinha 447 casos confirmados de covid-19. Com Agências