Governo polaco altera lei eleitoral a um mês das presidenciais

Partido Lei e Justiça usou um pacote económico para combater efeitos do coronavírus para, à última hora e sem aviso, introduzir o voto por correspondência para as presidenciais de 10 de Maio. A lei viola a Constituição, garante ex-presidente do Tribunal Constitucional.

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O primeiro-ministro polaco, Mateusz Morawiecki, a assitir ao debate parlamentar sobre a lei do pacote económico AGENCJA GAZETA/Reuters

Sem aviso e à última hora, o nacionalista Partido Lei e Justiça (PiS) polaco introduziu e fez aprovar no Parlamento, neste sábado, o voto por correspondência num pacote económico para combater os efeitos da pandemia de coronavírus. Fê-lo para evitar que as eleições presidenciais de 10 de Maio sejam adiadas e um antigo presidente do Tribunal Constitucional já disse que a decisão vai contra a Constituição. 

A oposição tem apelado recorrentemente a favor do adiamento das eleições presidenciais, por as urnas e as filas nas mesas de voto poderem ser focos de contágio e as restrições à circulação impedirem uma campanha justa. Mas os nacionalistas do PiS recusaram e, para afastar de vez a ideia, introduziram à última hora e sem aviso, durante a noite de sexta-feira, o voto por correspondência na lei do pacote económico para mitigar os efeitos da pandemia. 

“Após várias semanas de ataques por as eleições porem em perigo os cidadãos mais velhos e a dizer que a quarentena não permitiria o voto, claro, a oposição ataca agora a emenda”, escreveu no Twitter o deputado do PiS Marcin Horala.”O PiS quer a todo o custo preparar-se para as eleições de 10 de Maio. São duas da manhã e eles querem mudar a lei eleitoral”, denunciou na madrugada deste sábado Boris Budak, líder da Plataforma Cívica, o maior partido da oposição. 

A braços com a pandemia de coronavírus, o Governo polaco, liderado por Mateusz Morawiecki, tem-se recusado a decretar o estado de emergência, apesar de ter imposto a quarentena obrigatória. Se o fizesse, as eleições presidenciais teriam de ser adiadas por vários meses. A Constituição polaca dita que uma vez decretado o estado de emergência, não pode haver eleições nos três meses seguintes a contar a partir do último dia em que o estado de excepção esteve em vigor. 

“A razão é simples: o estado de emergência, se instaurado por um período mínimo de 30 dias, iria tornar impossíveis as eleições de Maio”, escreveu num artigo de opinião no EUObserver Martin Mycielski, antigo jornalista e actual director de Relações Públicas da Fundação Open Dialogue. 

Plano a curto prazo

Em 2006, o Tribunal Constitucional polaco deliberou que a lei eleitoral não podia ser alterada seis meses antes de umas eleições “Esta jogada vai completamente contra a Constituição e a lei”, disse Andrzej Zoll, antigo presidente do Tribunal Constitucional, ao Guardian. "É preciso sublinhar: não pode haver mudanças seis meses antes de eleições”. 

Apanhados de surpresa e com o pacote económico em jogo, os deputados da Plataforma Cívica aprovaram a lei, rejeitando no entanto a alínea do voto por correspondência. Mas o novo modelo de voto foi aprovado pelos deputados do PiS, que têm a maioria. Os deputados polacos votaram em salas diferentes através de um sistema de voto online e os da oposição, diz a Reuters, queixaram-se de problemas no acesso. 

As sondagens, diz o Político, avançam que o actual Presidente e aliado do PiSAndrzej Duda, deve vencer as eleições presidenciais logo na primeira volta com maioria absoluta. Mas o fraco desempenho do Governo na gestão da crise, e o risco desta se aprofundar, podem ter consequências para Duda se a ida às urnas for adiada. 

“Em Maio, eles [PiS] podem ganhar na primeira volta com grande apoio ao seu candidato e com uma participação eleitoral muito baixa, mas os efeitos da fraca gestão da crise virão muito depressa e no Outono o seu candidato pode não ganhar”, disse ao Guardian Anna Materska-Sosnowska, politóloga da Universidade de Varsóvia. O chefe de Estado tem o direito de vetar leis e, caso um candidato da oposição ganhe, o executivo do PiS entrará depressa em rota de colisão com a presidência.

À semelhança do que o primeiro-ministro húngaro, Viktor Orbán, tem feito no seu país, também na Polónia o PiS é acusado de ameaçar a separação de poderes ao avançar com uma reforma judicial que forçou a aposentação de um terço dos juízes do Supremo Tribunal de Justiça, substituindo-os por juízes próximos do partido. A imprensa é também cada vez mais controlada, havendo uns poucos jornais realmente independentes. Tem havido, dizem especialistas, um cenário de fusão do partido do Governo com o aparelho de Estado. 

O pacote económico aprovado é uma mistura de investimento público e de aumento da liquidez na ordem dos 212 mil milhões de zlotys (46 mil milhões de euros), desenhado para proteger os trabalhadores e as empresas das consequências económicas da pandemia, diz a Reuters. O Governo vai garantir 40% dos salários dos trabalhadores, aliviando os custos da crise para as empresas, e pagar 80% do salário dos trabalhadores por conta própria. Os impostos à segurança social e créditos a bancos também serão suspensos para as empresas. 

“O nosso escudo anti-crise é um bom instrumento nesta fase do coronavírus. Devemos agir rapidamente, devemos agir o mais cedo possível, queremos que estes instrumentos funcionem nos próximos dias”, disse o primeiro-ministro, Mateusz Morawiecki. 

Mas há quem se queixe que o pacote económico é insuficiente, acusando o executivo de ter soluções apenas para o futuro próximo. “É difícil não ficar com a impressão de que o Governo assume que a crise económica vai terminar depois das férias da Páscoa”, disse Marek Goliszewski, presidente do Business Center Club, citado pela Deutsche Welle, sublinhando que a crise não vai terminar na “Polónia até ao final do ano”. 

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