Irá o teatro reinventar-se nesta nova realidade pandémica?
Como será o teatro amanhã? Não sei. Mas tenho a certeza que cabe a todos nós, agentes, artistas, técnicos, escritores, reinventar-nos e criarmos um modelo adequado ao “novo normal”.
Hoje celebra-se o Dia Mundial do Teatro. E celebramo-lo como se estivéssemos numa peça de ficção, num futuro distópico em 2200. Mas não, estamos em 2020 e é real e em direto. De quarentena com todas as salas de espetáculo fechadas, por Lisboa, por Portugal, pela Europa, pelo mundo fora. E este vazio confere-nos o contexto favorável, para fazer uma reflexão sobre o teatro. Que papel lhe está reservado no futuro?
Politicamente temos assistido à permanente desvalorização da atividade artística e cultural, sem uma definição estratégica para o sector das artes, de espetáculos e audiovisual. Na situação atual, mais uma vez, torna-se clara a precariedade e frágil proteção social que afeta grande parte dos trabalhadores deste sector.
As medidas que já foram apresentadas pelo Governo não apagarão o rasto que esta pandemia vai deixar: salas fechadas, programações adiadas, outras canceladas, festivais suspensos, produtores e promotores de espetáculo com investimentos e compromissos assumidos. O que lhes irá acontecer?
“Somos resilientes e criativos e vamos dar a volta e vencer.” Todos? É certo que não. E não porque nem todos os profissionais têm vínculos a estruturas com apoios, ou são comercialmente viáveis. Há reveses como o que vivemos, de esvaziamento cultural, que ninguém antecipou, ou podia tê-lo feito.
Da privação coerciva de representar para uma audiência aparecem alternativas de quem tem a compulsão de se exprimir pela arte. Assim, músicos dão concertos em streaming online e companhias decidiram apresentar alguns espetáculos pela internet.
Mas será este o futuro reservado aos espetáculos ao vivo, que assentam numa experiência coletiva num mesmo local?
Tal como outras indústrias abaladas com a era digital, será o teatro capaz de encontrar um caminho? E como viabilizar esta mudança tornando-a economicamente viável? Será desta que se irá assistir à criação de uma plataforma digital que exibe, promove, comunica o teatro, com estreias de admissão pagas? Iremos assistir ao regresso das rádio-novelas, agora em formato podcasts, comercialmente viáveis?
Não é fácil especular cenários, mas não é expetável que em poucos meses o público queira partilhar uma cadeira rodeado por estranhos. Provavelmente, serão impostos novos limites provisórios de lotação das salas.
Mas, nesta sociedade inundada de ecrãs, onde nos habituámos a relacionar-nos uns com os outros sem sentirmos o tom, o olhar, as expressões, irá sempre faltar a interação, o riso, os aplausos e o calor do público. Nada substitui a interação real.
Nas atuais circunstâncias, poderá haver uma tendência para dar conselhos e fórmulas. No entanto, convém não ficarmos apenas agarrados à defesa de modelos tradicionais.
Alguém pensava que músicos encontrariam nos seus terraços e janelas novos palcos? Vivemos num momento onde passou a existir um “novo normal” em que a atividade artística vai-se adaptando ao contexto.
Sejamos práticos, a cultura é a capacidade do artesão, do artista, de ir mais além. De mostrar novos caminhos. Novas formas de pensamento. Novas formas de interação. E isso nunca mudará. O que pode mudar é a forma como isso chegará aos diversos públicos.
Como será o teatro amanhã? Não sei. Mas tenho a certeza que cabe a todos nós, agentes, artistas, técnicos, escritores, reinventar-nos e criarmos um modelo adequado ao “novo normal”.