Como lidar com o problema da habitação que se segue?
Este é o momento de nos tentarmos aproximar da estrutura de mercado habitacional de países do centro de Europa e não permanecermos nesta espécie de paraíso de especulação em que Portugal foi transformado.
Não nos é difícil prever que a crise económica em que estamos a mergulhar irá provocar uma alteração profunda do problema da habitação em Portugal. Abdicando de ensaiar uma visão futurologista, acredito que o mercado de habitação das próximas gerações muito dependerá do que fizermos agora. Importa, pois, colocar em cima da mesa três linhas de reflexão.
Se há algo que podemos perceber melhor a partir destes tempos de quarentena é que a nossa sanidade também depende muito do espaço que habitamos. Mais, percebemos que não é assim tão indiferente para o ser mais individualista que todos tenham uma habitação digna, quanto mais não seja, para permitir estar em casa em tempos de pandemia. Ora a dignidade da habitação está associada com questões espaciais, estruturais, de energia, térmicas, acústicas, etc... Mas, também, com o tamanho da casa em função de quem a habita. Ou seja, a simples recuperação para o mercado habitacional das casas que estavam no alojamento local não se deve traduzir numa transferência directa e linear, sem avaliação das situações concretas, sob pena de estarmos a aceitar uma brutal e desumana diminuição do tamanho dos fogos habitacionais. Importa criar condições para que esta transferência natural se opere, lançando apoios e procedimentos céleres, mas exigindo qualidade e condições dignas.
A segunda linha de reflexão prende-se com a estrutura de propriedade existente nas nossas cidades. Sendo certo que a implementação dos planos da troika significou uma total perda de controlo e soberania sobre a estrutura de propriedade urbana, importaria recuperá-la a dois níveis.
No primeiro nível, promovendo as condições para que o Estado consiga voltar a adquirir património edificado detido por fundos imobiliários e especulativos, que lhe permita promover, doravante, políticas públicas de habitação. Não há nada de novo nisto. Bastaria cumprir os objectivos da Nova Geração de Políticas de Habitação: 5% de habitação pública até 2024. A promoção dessas condições passa por adquirir propriedades, exercendo direitos de preferência, ao valor a que o Estado as tributa no IMI e não aos valores, ditos, de mercado. Para isto, mais do que dinheiro, precisamos de legislação centrada no interesse público.
Outro nível de resposta, também estrutural e de futuro, passa por fazer transitar o processo de acesso a habitação própria e permanente de uma linha proprietarista para uma linha cooperativista. Aproveitando um momento de juros baixos, do previsível aumento da oferta de imóveis e mobilizando as poupanças das famílias para um investimento produtivo, é fundamental lançar um robusto plano de incentivo a um novo movimento de produção de habitação cooperativa que possa ser concretizado sob dois eixos: propriedade privada colectiva indivisível e propriedade pública sob gestão cooperativa a longo termo.
Por fim, importa refazer o mercado do arrendamento. A nova lei das rendas habitacionais tem de servir para equilibrar direitos entre senhorio e inquilino. Deve beneficiar-se o arrendamento para habitação permanente, tabelar rendimentos mas garantir o seu recebimento. O investimento no arrendamento habitacional deve ser visto como seguro mas de carácter não especulativo e de longo curso.
Este é o momento de nos tentarmos aproximar da estrutura de mercado habitacional de países do centro de Europa e não permanecermos nesta espécie de paraíso de especulação em que Portugal foi transformado. Nestes dias de quarentena podemos começar a preparar o futuro ou mantermo-nos à deriva no epicentro do furacão da especulação financeira.