Coronavírus: há mais mulheres na frente da batalha, mas mortalidade é maior nos homens
Instituto Europeu de Igualdade de Género considera que é necessário tratar dados desagregados para entender como mulheres e homens são afectados pelo vírus.
Pode parecer apenas uma curiosidade, mas será fundamental para quem quer entender os efeitos primários e secundários da epidemia e criar políticas equitativas. O Instituto Europeu da Igualdade de Género (EIGE na sigla inglesa) está a preparar uma página especial sobre como a epidemia atinge de forma distinta homens e mulheres.
O vírus, por certo, não olha a géneros. Os dados conhecidos sugerem ser próximo o número de mulheres e homens infectados. Veja-se o exemplo de Portugal. A estatística sobre casos confirmados, que vai sendo actualizada pela Direcção Geral de Saúde, esta quarta-feira mostra 52,95% infectados do sexo feminino e 47,05% do sexo masculino. A igualdade de género, porém, também aqui será ilusória.
De acordo com um artigo publicado este mês na revista científica The Lancet, o efeito poderá ser distinto. Na análise dos dados preliminares, emerge a noção de que "mais homens do que mulheres estão a morrer, porventura por causa das diferenças imunológicas ou de comportamento de género.” Há um maior número de fumadores homens, exemplificam as três autoras do artigo, e esses têm mais hipóteses de desenvolver uma doença grave se contraírem o vírus. Voltando aos dados da DGS, em Portugal, das 43 pessoas que já morreram, 30 são homens, o que corresponde a quase 70% da totalidade.
Pelo papel que desempenham nas sociedades, as mulheres correm maior risco de virem a ser infectadas. Por toda a União Europeia, é do sexo feminino a grande maioria dos profissionais de saúde. Portugal confirma a regra a avaliar pelos inscritos na Ordem de Enfermeiros (mais de 58 mil mulheres e 12 mil homens) e na Ordem dos Médicos (mais de 28 mil mulheres e 23 mil homens). E são esses profissionais que se encontram na frente da batalha contra o covid-19.
Há outra grande frente. Em toda a UE, a maioria dos prestadores de cuidados profissionais a pessoas com deficiência ou idosos são mulheres (83%). E para esses o distanciamento físico e o teletrabalho também não são opção. Muita gente depende da sua ajuda para comer, tomar banho, vestir-se.
A pandemia global e as medidas para conter a propagação do vírus colocam desafios a muitas outras mulheres. Mais e mais países decidem fechar escolas. Já antes as responsabilidades relacionadas com a casa e o cuidado recaiam mais sobre as mulheres. Agora, com as crianças em casa o dia todo, subiu a sua carga de trabalho não remunerado. Tudo se complica no seio das famílias monoparentais, formadas sobretudo por mulheres e crianças. Uma corrida sem sair de dentro de casa entre o teletrabalho, as refeições, a limpeza, os filhos.
Os peritos daquela agência europeia alertam ainda para o maior risco de escalada de violência doméstica. As vítimas, sobretudo mulheres e crianças, confinadas nas suas casas, ficam mais expostas a quem as agride. Mais difícil se torna encontrar uma oportunidade para recorrer a uma linha de apoio. E pode ser mais crítico sair da relação assim que a pandemia terminar, atendendo à insegurança financeira que já espreita.
A ameaça está a ser levada a sério em países como Portugal. Temendo uma subida de casos, o Governo tratou de assegurar mais cem camas para acolher mulheres e crianças vítimas de violência doméstica, criou um email específico para novas queixas com a palavra “covid-19” e montou piquetes de urgência em todos os distritos.
A já anunciada crise económica pode ser devastadora em profissões dominadas por mulheres, como tripulantes de aviões, operadores turísticos, assistentes de vendas, trabalhadores de limpeza e cabeleireiros, muitas vezes com contratos precários, cuja protecção no lay off ou desemprego nem todos os Estados acautelam. Segundo o EIGE, é precária a situação laboral de um quarto das mulheres empregadas em toda a UE.
“A resposta dos fazedores de políticas deve considerar as diferentes experiências enfrentadas por homens e mulheres durante uma pandemia para garantir que todos obtêm a ajuda de que mais precisam”, defende o EIGE, na nota emitida esta quarta-feira. “Há uma grande necessidade de dados desagregados por sexo para entender completamente como mulheres e homens são afectados pelo vírus. Não apenas sobre as taxas de infecção, mas também sobre os impactos económicos, a distribuição do trabalho de assistência e a extensão da violência doméstica. Também está na hora de os líderes reconhecerem e valorizarem o importante trabalho realizado por aqueles que estão na linha de frente desta crise, como os profissionais de saúde, os prestadores de cuidados e domésticos.”
No artigo COVID-19: the gendered impacts of the outbreak — publicado no The Lancet — Clare Wenham, Julia Smith e Rosemary Morgan recordam surtos anteriores para enfatizar a importância de incorporar uma análise de género. No surto de ébola na África Ocidental, por exemplo, as mulheres corriam maior risco, atendendo ao seu predominante papel de cuidadoras e de profissionais de saúde, mas dispunham de menos poder de decisão, logo, de fazer a sociedade atender às suas necessidades específicas. Resultado: os recursos para saúde reprodutiva e sexual foram desviados para a resposta ao ébola, contribuindo para o aumento da mortalidade materna.