Somos todos Uderzo

Com a partida de Uderzo, com a partida do pai Uderzo que tanto nos ensinou, não ficamos apenas mais pobres, sentimo-nos órfãos.

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Charles Platiau

Não sabia. As notícia estão tão cheias de vírus, literalmente, que não sabia: Albert Uderzo, pai de Astérix, Obélix, Assurancetourix, Panoramix, Abraracourcix, Oldrafebetix, Ceteutomatix, entre tantos outros personagens criados em parceria com Goscinny, morreu aos 92 anos.

O silêncio, a reflexão, o respeito e a ausência são imediatos ou não tivesse crescido com os livros de Astérix. Sei tiras inteiras de cor de ler vezes e vezes sem conta, sozinho ou à vez com amigos na casa uns dos outros. As gargalhadas com o infortúnio dos piratas e/ou dos romanos, tantas vezes vítimas conjuntas das tropelias dos gauleses, ainda ecoam tantos anos depois. 

Por onde começar? Pelo escudo de Arverne? Propriedade de Vercingétorix, chefe máximo da nação gaulesa, derrotado na Alésia de má memória da qual ninguém quer saber e muito menos pronunciar o nome? O escudo, cobiçado por Júlio César de modo a poder desfilar triunfalmente no topo do mesmo, é agora pertença de Abraracourcix, chefe gaulês e sobrevivente de Alésia, e aqui começam as dores de cabeça dos romanos. 

Um presente de César? A pequena aldeia gaulesa onde vivem os nossos heróis é oferecida de presente a um ébrio legionário como recompensa dos muitos anos de serviço. Sedento de vinho, o mesmo acaba por “dar” a aldeia a um taberneiro gaulês em troca de mais uma rodada e aqui vamos nós para um mar de peripécias. 

Astérix na Córsega? A mais épica cena de batalha que imaginar se possa ao longo de duas páginas inteiras com direito a legenda e tudo para podermos destrinçar corsos de gauleses e gauleses de romanos onde os romanos são verdadeiramente ensanduichados na maior das batalhas finais. Astérix entre os belgas? De um lado Roma, do outro a exuberância entre mexilhões e batatas fritas sem esquecer a melhor cerveja do mundo. A rosa e o gládio? Afinal, havia mesmo um dragão na floresta, no fim a fugir de tão farto de ouvir o bardo cantar. O mesmo bardo cuja voz de cana rachada fazia chover de cada vez que cantava. 

E por aí fora. Mas não nos limitámos a crescer com Astérix, também viajámos com Astérix entre bretões, helvéticos, godos, árabes, índios norte-americanos, normandos, hispânicos, belgas sem esquecer a volta à Gália dando a conhecer tradições, lendas, povos e lugares, despertando a curiosidade, estimulando a vontade inata do ser humano para conhecer, saber, aprender, tudo a partir de uma prancha de banda desenhada.

Com a partida de Uderzo, com a partida do pai Uderzo que tanto nos ensinou, não ficamos apenas mais pobres, sentimo-nos órfãos. Fica de consolação a felicidade de saber Uderzo e Goscinny finalmente juntos, a desenhar avidamente algures aos pés de um Deus ansioso pelo próximo livro das aventuras de Astérix, o intrépido herói de capacete alado, habitante de uma pequena aldeia gaulesa ainda e sempre resistente ao invasor, tal e qual como todos nós, ainda e sempre resistentes ao invasor. A história de Astérix é a nossa história. Obrigado por tudo, Uderzo, um grande abraço ao Goscinny.

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