Presidente do Parlamento demite-se e agrava crise constitucional em Israel
Edelstein recusou cumprir decisão do Supremo Tribunal que o obriga a agendar votação para eleger o sucessor e renunciou ao cargo. Sem acordo para um novo governo, em plena crise do coronavírus, Israel entra em terrenos desconhecidos.
Em tempos de pandemia, os principais actores políticos israelitas continuam de costas voltadas e desse tenso jogo de forças resultou uma crise constitucional sem precedentes. Esta quarta-feira, o presidente do Knesset (Parlamento), Yuli Edelstein, rejeitou acatar uma decisão do Supremo Tribunal de Justiça, que lhe exigia que agendasse uma votação para se eleger o seu sucessor. Em resposta, renunciou ao cargo, ganhou 48 horas de oxigénio e suspendeu os trabalhos da câmara até segunda-feira.
Com a urgência do combate ao coronavírus a ser utilizada como arma política e os dois principais líderes, Benjamin Netanyahu (primeiro-ministro) e Benny Gantz (líder do partido Azul e Branco), a mostrarem-se incapazes de acertar uma solução de governo de unidade nacional, Israel atasca-se agora num conflito de natureza jurídica e processual, cujo desfecho é imprevisível.
Uma vez que as últimas eleições israelitas já se realizaram há quase um mês – vitória do Likud, o partido conservador de Netanyahu, sem maioria – e face à decisão do Presidente, Reuven Rivlin, de mandatar Gantz a formar governo, o Supremo exigiu a Edelstein que agendasse uma votação para eleger o seu sucessor, de forma a cumprirem-se os passos tradicionais da nova legislatura.
Mas Edelstein, que pertence ao Likud, e que recebeu o apoio do partido nesta sua decisão, recusou-se a escolher uma data, justificando a posição com as negociações em curso para a formação do governo – “Não quero fazer parte de uma guerra civil”, afiançou. E, por isso, na segunda-feira. o tribunal impeliu o speaker a agendar a votação para esta quarta-feira.
Não só Edelstein se recusou a fazê-lo, como se demitiu, acusando o Supremo de estar a “interferir” no poder legislativo, a “danificar a soberania da nação e do Knesset” e a “subverter a base da democracia israelita”.
“A decisão não é baseada em legislação, mas numa análise unilateral e radical”, acusou, citado pelo Jerusalem Post. “Não tenho qualquer desejo de desrespeitar o tribunal, mas a minha consciência não me permite respeitar a sua decisão”, afirmou, num comunicado.
Debate processual
A partir daqui, não há legislação israelita que preveja os próximos passos. Por um lado, a demissão só entra legalmente em vigor 48 horas depois – sexta-feira, portanto. Por outro, a disposição legal que estipula que o vice-presidente do Parlamento – actualmente é o trabalhista Amir Peretz – pode assumir o posto de presidente, temporariamente, em determinadas situações, não se aplica ao caso, uma vez que a eleição de Edelstein teve lugar na legislatura anterior.
Em Israel não se exclui, por enquanto, que ainda se venha a votar esta quarta-feira, ou nos próximos dias, na eleição do sucessor de Edelstein. Até porque, escreve o Haaretz, o assessor jurídico do Parlamento, Eyal Yinon, notificou o Supremo que o prazo das 48 horas pode permitir que ainda se vote, antes de consumada a demissão.
Ainda assim, a única conclusão que se pode tirar do caso do dia, até ao momento, é que Edelstein está a violar uma ordem do Supremo Tribunal, enquanto aguarda por sexta-feira para sair de cena. Nesse sentido, estando Israel numa situação de emergência sanitária, com os trabalhos do Knesset suspensos até segunda-feira, Netanyahu pode continuar a governar por decreto, sem controlo do Parlamento.
“Edelstein está barricado no seu gabinete a tirar vantagem dos seus últimos dois dias de speaker, antes da demissão surtir efeito, para encerrar o Knesset até segunda-feira, apesar das exigências da maioria dos deputados e das ordens repetidas pelo Supremo Tribunal. Golpe processual”, escreveu no Twitter o colunista do Haaretz e correspondente da Economist em Israel, Anshel Pfeffer.
Uma situação muito contestada pela oposição e, naturalmente, por Benny Ganz, que queria o agendamento mais célebre possível da votação do novo speaker, para poder acelerar a investidura de um governo de centro-esquerda, por si liderado, e com o apoio de 61 dos 120 deputados do Knesset. Os mesmos que, à partida, também retirariam Edelstein do seu posto.
“O Parlamento de Israel pertence aos cidadãos de Israel e os representantes eleitos devem cumprir as leis de Israel e as decisões dos seus tribunais. Ninguém está acima da lei”, reagiu o ex-general, cujo partido, o Azul e Branco, ficou em segundo lugar nas eleições de Março – as terceiras no espaço de um ano.
A renúncia e a suspensão parlamentar têm ainda o condão de atrasar a discussão, e possível aprovação, de uma proposta de lei da oposição, que pretende afastar da chefia do Governo os primeiros-ministros acusados de crimes – uma lei direccionada a Netanyahu, que deveria ter começado a ser julgado por corrupção, fraude e abuso de confiança, mas cujo julgamento foi adiado para Junho por causa do coronavírus.