Comunidade Vida e Paz diz que há falta de apoio alimentar a sem-abrigo e apela a doações
Voluntário alerta para cenário “desolador” nas ruas da capital, em que não se consegue matar a fome a centenas de sem-abrigo porque não há respostas suficientes. Comunidade Vida e Paz mantém-se no terreno e apela a doações de bens alimentares e monetárias.
Na sua volta de quinta-feira, Nuno Fraga encontrou o que há muito não via nas ruas da capital: “Hoje vi fome em Lisboa.” Ele, voluntário na Comunidade Vida e Paz há mais de uma década, descreve o momento como um regresso ao passado, um retrocesso no apoio à população mais vulnerável, os sem-abrigo, que perante a pandemia nunca precisou tanto de respostas.
“No Saldanha, onde entregaríamos 30 refeições, entregámos 90. No Oriente, mais de 60. Em Santa Apolónia, onde antes teríamos 15 a 20 pessoas, ontem [quinta-feira] foram seguramente mais de 40 pessoas. Cenário idêntico no Rossio”, descreve o voluntário.
Na semana passada, a presidente da Comunidade Vida e Paz, Renata Alves, confirmava já as dificuldades: o número de pessoas que dependem, por esta altura, do apoio da associação é muito maior, e a presidente teme não conseguir dar reposta a toda a procura.
Nas últimas semanas, muitos voluntários — cumprindo aquelas que são as recomendações das autoridades de saúde — foram abandonando as associações que prestavam apoio nas ruas, ficando as equipas de rua desfalcadas.
A Comunidade Vida e Paz é uma das poucas associações que conseguiu manter-se no terreno para fazer chegar refeições à população sem-abrigo. Conta com o apoio do Centro de Apoio ao Sem-Abrigo (CASA) e da Noor'Fátima, que são responsáveis pela confecção das 400 refeições distribuídas diariamente.
O relato de Nuno Fraga vem acompanhado de um pedido de ajuda por parte da Comunidade Vida e Paz: “As necessidades que enfrentamos, actualmente, são muitas. Estamos com carência de algum tipo de produtos como máscaras, luvas, desinfectantes, mas também de bens alimentares (leite, iogurtes, recheios para sandes, enlatados, cereais, fruta, legumes, massa, arroz, feijão, entre outros)”, nota a instituição, apelando a que quem puder faça uma doação.
Para que ninguém se ponha em risco na entrega de alimentos, a associação sugere que as encomendas sejam feitas online, com morada de entrega nas instalações de sede da associação, na Rua Domingos Bomtempo, n.º 7, 1700-142, Lisboa. Quem preferir fazer um donativo monetário pode fazê-lo para o IBAN PT50 0036 0000 9910 5505 0519 6.
O cenário que se vive hoje nas ruas é, nas palavras de Nuno Fraga, “desolador”. “As pessoas correm desesperadamente para as carrinhas em busca de algo. Tivemos pedidos para não as deixarmos, pois não teriam mais nada se não viéssemos. Mas mesmo com pouco, assisti a uma generosidade tremenda entre as pessoas que estão na rua, e um sentimento de gratidão ímpar”, relata.
Com a cidade fechada em casa, o pouco sustento desta população também desapareceu. “Num dia normal, arrumariam uns carros, teriam uns trocos, os cafés ou os restaurantes ofereceriam uma refeição. A vizinhança iria à rua e aproveitaria para dar uma ajuda. Num dia normal, multiplicar-se-iam e, em certa medida, atropelar-se-iam as instituições que todos os dias prestam auxílio a esta população. Porém, há cerca de uma semana, só uma instituição faz o trabalho de todas as outras.”
Houve mesmo vários pontos da cidade aos quais a equipa não chegou porque não tinha mais refeições. “Tivemos de pegar naquilo que seria o kit para uma pessoa e dividir em três para tentar chegar a todos. Pelo menos tentar que todos levassem algo.”
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