O desporto vira-se contra os Jogos Olímpicos

Austrália, Canadá e Noruega já cancelaram a sua participação. Atletas e federações unem-se pelo adiamento de Tóquio 2020.

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Um stop aos Jogos de Tóquio é um cenário cada vez mais provável Reuters/ISSEI KATO

Parece já ser uma questão de tempo até os Jogos Olímpicos de Tóquio serem adiados, mas, enquanto essa decisão drástica não é tomada, o desporto mundial reforça a sua união num único sentido: o adiamento do evento que, por enquanto, tem início marcado para 24 de Julho. Federações internacionais, comités olímpicos nacionais e atletas têm-se feito ouvir a até já há países a anunciarem o boicote, caso os Jogos se mantenham nas datas previstas, reclamando uma decisão mais cedo que tarde. O Comité Olímpico Internacional (COI) já anunciou, pela voz do seu presidente Thomas Bach, que deu a si próprio quatro semanas para tomar uma decisão.

A verdade é que, depois de semanas entrincheirados numa posição oficial de “continua tudo igual”, tanto o COI como a organização local e o Governo japonês já admitem o cenário de cancelamento perante a ameaça global que a covid-19 representa. Já nesta segunda-feira, Shinzo Abe, primeiro-ministro japonês, ainda não deu o cancelamento como um dado adquirido, mas já modelou o seu discurso para deixar essa porta aberta.

“Se me perguntam se nós conseguimos receber os Jogos Olímpicos neste momento, tenho de dizer que o mundo não está em condições. É importante que, não apenas o nosso país, mas que todos os países participantes possam estar nos Jogos bem preparados”, disse o governante japonês numa sessão parlamentar, sendo que a decisão final de adiar os Jogos não é da organização local, mas do COI.

A expansão do novo coronavírus colocou em suspenso todas as provas de qualificação olímpica que estavam agendadas para os próximos meses - ainda há cerca de 43 por cento de vagas por preencher - e afectou a preparação dos atletas já qualificados. Austrália e Canadá, habitualmente duas das maiores comitivas nos Jogos Olímpicos, anunciaram o seu boicote a Tóquio praticamente em simultâneo e com justificações semelhantes. “Para nós é claro que os Jogos não podem acontecer em Julho. Os nossos atletas têm sido magníficos e com uma atitude muito positiva na preparação, mas o stress e a incerteza têm sido um desafio para eles”, declarou Ian Chesterman, o chefe da missão australiana. Durante o dia, a Noruega seguiu pelo mesmo caminho e o Reino Unido também está a ponderar o boicote.

As federações internacionais também se estão a posicionar a favor do adiamento de um evento que, em condições normais, iria ter a participação de cerca de 11 mil atletas. Sebastian Coe, presidente da World Athletics, escreveu, numa carta aberta, que “os Jogos Olímpicos em Julho deste ano não são exequíveis, nem desejáveis”, e as poderosas federações de natação e atletismo dos EUA também já anunciaram uma posição conjunta de apoiarem o adiamento dos Jogos. Mais: segundo uma sondagem da Associação dos Atletas, um organismo presidido pelo campeão olímpico do triplo salto Christian Taylor, junto de quatro mil praticantes de atletismo do mundo inteiro, 78 por cento são favoráveis a um adiamento.

Em Portugal, também há uma posição comum que aponta para o adiamento dos Jogos. O Comité Olímpico de Portugal (COP) tornou pública a sua posição através da divulgação de uma carta enviada ao COI nesse sentido. O organismo liderado por José Manuel Constantino pediu a Thomas Bach que “rapidamente possa anunciar ao mundo uma solução de adiamento que tranquilize os atletas e as organizações desportivas”, reforçando a precariedade na preparação dos atletas portugueses e a dificuldade no acesso aos centros de treino, ainda que permitido”.

“Na prática, não se torna fácil, devido à multiplicidade de entidades gestoras desses espaços [...] que não têm condições para assegurar esse funcionamento sem pôr em risco os seus colaboradores”, indica o COP. Os atletas portugueses têm feito o que podem para não estarem totalmente parados durante este período. Mesmo com as excepções abertas pelo Governo para atletas de alta competição, uma preparação normal é impossível, como vários deles já testemunharam ao PÚBLICO há uns dias.

Entre as federações nacionais com maior representatividade na comitiva portuguesa, o discurso é idêntico. Judo, atletismo, canoagem, natação e vela, todos salientam a urgência no adiamento. “Olhando para o quadro mundial, temos sérias reservas que se possam realizar os Jogos na data marcada. Se os melhores não podem estar porque existe uma pandemia, não existem condições, a não ser que exista uma evolução inesperada e positiva, o que, infelizmente, não parece que seja possível”, admitiu ao PÚBLICO Luís Rocha, director técnico nacional da Federação portuguesa de Vela.

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