Eleições adiadas na Bolívia, Morales fala em aproveitamento do coronavírus
Governo interino impôs quarentena e o Tribunal Eleitoral ordenou o adiamento da votação para data incerta. Ex-Presidente denuncia utilização política da pandemia pela “direita golpista”, pressionada pelas sondagens e pelos militares.
Liderada desde Novembro do ano passado por Jeanine Áñez, uma ex-senadora e opositora de Evo Morales, que se autoproclamou presidente interina e que prometeu eleições para breve, a Bolívia vai-se manter durante mais alguns meses em verdadeiro estado de excepção político. A imposição de uma quarentena de 14 dias, por causa da ameaça do coronavírus, levou o Supremo Tribunal Eleitoral boliviano (TSE) a decretar o adiamento eleições presidenciais e legislativas agendadas para 3 de Maio.
“Esta medida, que resulta de uma conjuntura sem precedentes a nível mundial, impede que o organismo eleitoral continue a desenvolver as tarefas preparatórias para o processo eleitoral”, justificou Salvador Romero, presidente do TSE, citado pelo El País, garantindo que apenas foram tidos em conta “critérios técnicos e científicos sólidos” e revelando que a nova data terá de ser acordada a nível partidário, quando haja “condições mínimas”.
A decisão foi acatada por todos os partidos, incluindo o Movimento para o Socialismo (MAS), de Morales, líder destacado nas sondagens, que, num primeiro momento, levantou dúvidas sobre a mesma. Pouco antes de anunciada a resolução do TSE, no sábado à noite, o ex-Presidente – que saiu do país depois de denunciar um golpe de Estado – tinha argumentado que a pandemia “chegava na altura certa” para Áñez.
“A direita golpista já andava à procura da suspensão [das eleições] antes de esta pandemia estoirar”, criticou Morales num programa de rádio argentino, país onde se encontra actualmente, como refugiado político. “Na sede do Governo, em La Paz, comenta-se permanentemente que vai haver um auto-golpe, que Áñez vai deixar o governo aos militares, porque, de acordo com as sondagens, seremos vencedores à primeira volta”, explicou.
Luis Arce, candidato do MAS, está próximo dos 40% nas intenções de voto e com mais de 10% de vantagem sobre os segundo classificados, em empate técnico: a própria Áñez, presidente interina, e Carlos Mesa, candidato derrotado nas presidenciais de Outubro do ano passado, vencidas por Morales e contestadas pela oposição.
Eleição polémica
Depois de um processo de contagem de votos confuso, durante o qual o anúncio dos resultados foi suspenso numa altura em que Evo Morales parecia estar a perder – acabou por ser eleito para o quarto mandato consecutivo –, Mesa, os partidos opositores e a Organização dos Estados Americanos rotularam a eleição de Outubro como fraudulenta e acusaram o Presidente socialista de “romper sistematicamente a ordem constitucional”.
Denunciando um golpe de Estado, liderado pela oposição e com o apoio das Forças Armadas e da comunidade internacional – os EUA apressaram-se a reconhecer Áñez como chefe de Estado –, Morales renunciou ao cargo que ocupou ininterruptamente durante 14 anos e abandonou o país, rumo ao México.
A renúncia de Morales impulsionou uma série de demissões dos detentores dos principais cargos políticos na Bolívia, aproveitada por Jeanine Áñez, uma feroz opositora do Presidente, do partido conservador Movimento Social Democrático, que sendo vice-presidente do Senado, na altura, entendeu estar na linha da sucessão do chefe de Estado e se autoproclamou detentora do seu cargo.
Um mês depois, o Ministério Público da Bolívia emitiu um mandado de captura dirigido Evo Morales, acusado de sedição e terrorismo. E a promessa de eleições de Áñez foi-se arrastando até Janeiro deste ano, quando foram finalmente agendadas para Maio. Mas Morales foi impedido, pelas autoridades eleitorais, de se candidatar ao Senado.
“Decisão dura”
A Bolívia é um dos países mais pobres da América Latina e regista, até ao momento, 24 casos de infecção pelo covid-19. Mas segundo a presidente interina está perto de entrar numa fase de “transmissão comunitária” da doença.
Para além da imposição da quarentena, a partir deste domingo e até 4 de Abril, o executivo ordenou o encerramento das fronteiras do país e o cancelamento de todos os voos internacionais. Os hospitais, as farmácias, os supermercados e os bancos continuarão abertos e haverá apoios para as famílias que tenham crianças em idade escolar, disse Áñez.
“É uma decisão dura, mas necessária para o bem-estar de todos”, afirmou a presidente interina, citada pelo La Razón Digital. “Mas vamos sair desta. Peço-vos que não tenham medo, nem temor. Estamos protegidos por Deus”.