Coronavírus começa a corroer apoio público e político a Bolsonaro
Há três pedidos de impeachment a visar Bolsonaro por causa da sua gestão da epidemia. Em todo o país voltaram a ouvir-se panelas e tachos contra o Presidente.
O jantar dos brasileiros passou esta semana a ser acompanhado de um som que provavelmente não pensavam voltar a ouvir tão cedo: panelas a bater. Depois de terem sinalizado o fim político do Governo de Dilma Rousseff, os “panelaços” voltaram à vida política brasileira, desta vez em tempos mais sombrios e acompanhados de gritos de “assassino” e “fascista”.
As consequências da epidemia global do novo coronavírus no Brasil estão longe de poderem ser calculadas, mas já abriram uma grave crise política para o Governo e sobretudo para o Presidente Jair Bolsonaro. Pouco mais de um ano depois de ter tomado posse, o capitão do Exército reformado enfrenta o momento mais crítico do seu mandato e corre um sério risco de nem sequer o terminar.
Nos últimos dias deram entrada na Câmara dos Deputados três pedidos de destituição do Presidente, um dos quais protocolado esta quinta-feira pelo deputado federal Alexandre Frota, outrora um dos grandes apoiantes de Bolsonaro. Frota acusa-o de seis crimes de responsabilidade, incluindo contra a saúde pública por ter participado e promovido as manifestações do último domingo, contrariando as recomendações da Organização Mundial de Saúde e do próprio Ministério da Saúde.
É improvável que os pedidos de impeachment saiam da gaveta do presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia, tão cedo. Quando o processo contra Dilma avançou, as condições políticas eram diferentes: tratava-se de uma Presidente desgastada, num segundo mandato, com uma popularidade abaixo dos 10%, enquanto Bolsonaro tem mantido um apoio popular razoável, em torno dos 30%. Mas há dados que indicam uma mudança no humor dos brasileiros.
Uma sondagem do instituto Atlas Político, publicada esta quinta-feira, mostrava que mais de 60% dos inquiridos discorda da forma como Bolsonaro encarou a epidemia de coronavírus. Mais incómodo ainda: o número de pessoas a apoiar o seu afastamento pelo Congresso subiu e é praticamente igual aos que o querem manter.
A cientista política Maria Hermínia Brandão não tem dúvidas de que a probabilidade de Bolsonaro não chegar ao fim do seu primeiro mandato subiu nas últimas semanas. “Uma parte da direita que está abandonando o barco”, sublinha. Mas o que irá acontecer a partir de agora é muito incerto. “Todos os grupos políticos, tanto à direita como à esquerda, estão a fazer os seus cálculos do que é mais conveniente”, diz ao PÚBLICO por telefone a investigadora do Centro Brasileiro de Análise e Planeamento (Cebrap). À direita, há quem não se oponha a ter o vice-presidente Hamilton Mourão na chefia do Estado, mas à esquerda mantêm-se os receios: “Ninguém sabe o que pode acontecer com um Presidente general”, observa Tavares.
Aos poucos, Bolsonaro, que começou por dizer que a epidemia era uma “fantasia” e um exagero dos media, vai tentando correr atrás do prejuízo. Na quarta-feira, apareceu de máscara cirúrgica ao lado de vários ministros que integram o “gabinete de crise” para conter a progressão do coronavírus – a meio da tarde havia 621 casos confirmados e seis mortos. Porém, voltou a atacar a imprensa e a negar ter promovido as manifestações de domingo, algo que não é verdade.
Já esta quinta-feira, o deputado Eduardo Bolsonaro, filho do Presidente, criou um incidente diplomático ao responsabilizar a China pela propagação da epidemia, levando a embaixada chinesa em Brasília a exigir um pedido de desculpas.
A estratégia do Governo e dos restantes poderes parece ser a de isolar Bolsonaro e tentar articular uma resposta ao coronavírus. Os ministérios da Saúde e da Economia têm estado na linha da frente, em conjunto com os líderes do Congresso e os governadores. Sintomático dessa postura foi a recusa de Maia em comparecer a um encontro com Bolsonaro “só para a fotografia”.
Maria Hermínia Brandão define Bolsonaro como “o primeiro lame duck [termo que designa presidentes com pouco poder por estarem no fim do mandato] no segundo ano de Governo” e só vê na actual situação um precedente histórico. “Vimos isso na monarquia, quando Dona Maria foi decretada louca e teve um primeiro-ministro a cuidar dos assuntos da nação.”
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