Alimentação em tempos de quarentena
Há que perceber que este é um momento para relativizar bem as nossas prioridades. A maior luta nesta fase é conseguirmos ter condições de saúde pública para ir à praia no Verão. Não é propriamente os abdominais ou a celulite que vamos ou não poder mostrar.
Não há como escolher outro tema perante uma crise de saúde pública que está a afectar a nossa vida como nunca antes.
Não vale a pena reforçar que açambarcar enlatados ou papel higiénico é completamente inútil, porque partimos do pressuposto de que a fase inicial de pânico generalizado já esteja terminada e que cada um de nós saberá comportar-se de forma responsável dentro de um hipermercado.
O que precisamos de mudar na nossa alimentação num período de quarentena?
O conselho de várias entidades de saúde é no sentido de mantermos as nossas rotinas o mais parecidas possível, mesmo trabalhando a partir de casa. Ainda assim, com mais tempo e disponibilidade de cozinhar, podemos optar por alimentos menos processados em vez de outras refeições mais convenientes feitas muitas vezes no carro ou transportes públicos a caminho do trabalho. Por exemplo, os batidos e barras proteicas, sempre úteis e convenientes, podem nesta fase ser substituídos por ovos mexidos, panquecas, papas de aveia ou sandes mais elaboradas. E começamos o artigo a falar da proteína precisamente por muitas vezes ocorrer o pensamento errado de “agora não estou a treinar tanto porque o ginásio fechou, por isso vou cortar na proteína”. Ora, isto não deve acontecer, uma vez que mesmo que exista uma redução do volume e intensidade de treino, é importante manter a ingestão proteica de modo a manter a massa muscular e o apetite estabilizado (sobretudo numa fase em que está mais tempo em casa e com mais estímulos para ir sempre picando várias coisas no frigorífico e armários). É muito mais difícil recuperar massa muscular perdida do que massa gorda ganha, uma vez que até pode conseguir emagrecer 1 kg numa semana, mas para hipertrofiar 1kg se calhar demora mais de 1 mês.
É também expectável que fique mais tempo no sofá a ver televisão, o que inevitavelmente leva a que existam sempre algumas “finger-foods” que se vão comendo. Agora mais do que em qualquer outra altura, é fundamental que não entrem em casa alimentos altamente calóricos que possam levar a um consumo compulsivo como bolachas, biscoitos, batatas fritas de pacote, frutos gordos (sobretudo os fritos e salgados como os amendoins), bombons e afins. Alternativas boas, sem serem demasiado sensaboronas, podemos encontrar na fruta, iogurtes magros sem açúcar (mas de sabores, não precisam ser naturais), gelatinas light, barras proteicas com pouca gordura, tremoços, pipocas sem óleo, sorvetes de água e fruta ou gelados em miniatura.
Pode também ter mais cuidado com a quantidade de hidratos de carbono caso diminua substancialmente o volume de treino, mas ainda mais importante é que diminua tanto quanto possível a quantidade de gordura em fritos, manteiga, molhos, enchidos e no limite até frutos gordos e azeite (caso esteja a tentar emagrecer), dado que são alimentos com elevado valor calórico e pouco potencial saciante e de manutenção de massa muscular. É certo que infelizmente também não terá os tradicionais fins-de-semana com refeições fora de casa, convívios com amigos, copos, brunch hipercalórico de domingo e essa limitação na alimentação social dá um crédito calórico extra, mas que pode ser gasto nas horas adicionais que vai passar em frente à TV.
Uma mensagem importante é que, se estiver a tentar emagrecer, deve tentar fazê-lo de forma menos agressiva. Apesar de esta disponibilidade energética ser algo mais aplicável a atletas (pois o exercício de forma aguda causa alguma imunossupressão), uma restrição de calorias e de hidratos de carbono muito extensa é um dos factores que nos podem colocar mais susceptíveis a infecção. Há que perceber, todavia, que este é um momento para relativizar bem as nossas prioridades. A maior luta nesta fase é conseguirmos ter condições de saúde pública para ir à praia no Verão. Não é propriamente os abdominais ou a celulite que vamos ou não poder mostrar. De resto, é importante frisar que muitos dos factores que comprovadamente diminuem a nossa imunidade acabam por estar controlados nesta fase de quarentena:
– Exercício intenso – é fundamental que se continue a treinar em casa e ao ar livre (enquanto podemos), mas dificilmente o fará com o mesmo volume e intensidade do que numa situação normal;
– Stress – toda esta situação causou muito stress e ansiedade na fase inicial e continuará logicamente a causar a quem tem a sua actividade profissional suspensa e ordenados para pagar, mas quem consegue trabalhar a partir de casa irá logicamente adaptar-se a esta quarentena e a este ritmo de vida mais lento, o que fará com que o stress diminua;
– Disrupção do sono – trabalhando em casa e não tendo de enfrentar o trânsito, esperas em transportes públicos, entregar filhos à escola e afins, poderá até ser útil para aproveitar mais uns momentos na cama;
– Viagens longas de avião e ambientes extremos de temperatura e humidade – estamos fechados em casa e tal não será possível de momento;
Um outro problema que se observa por estes dias é a crença de que podemos “fortalecer o nosso sistema imunitário” através de alguns suplementos e “superalimentos”. Apesar de recentemente já ter sido publicado um artigo sobre o tema, voltemos a ele porque a situação o exige.
Qualquer coisa que promova o sistema imunitário vende bem e ganha boa fama, porque quem procura essas soluções são geralmente as pessoas já de si mais conscienciosas. As que já reforçaram os seus hábitos de higiene pessoal, de etiqueta respiratória e segurança alimentar na confecção de alimentos há muito tempo. Que só saem de casa para o estritamente necessário e quando voltam criam uma “zona suja” em casa com a roupa e calçado que foi à rua e não a misturam com a “zona limpa” da casa, desinfectando as compras que acabaram de fazer. Têm por isso uma probabilidade muito menor de infecção, independentemente de estarem a beber chá de limão com mel e gengibre, shots com curcumina, glutamina ou alho ou suplementos de equinácea, spirulina e afins (desde que a ingestão destes produtos não lhes confira uma falsa sensação de segurança). O oportunismo que alguns profissionais de saúde revelam ao tentar ganhar palco com o seu “segredo” ou “truque” para aumentar a imunidade revela que nem um momento histórico na vida de todos nós como é uma pandemia à escala global é suficiente para acalmar alguns egos. A este nível, louve-se o exemplo da Associação Médica Homeopática Brasileira, que se absteve de recomendar qualquer produto homeopático como prevenção ou tratamento da covid-19. Ficam assim apenas a faltar todas as outras patologias.
Do ponto de vista da suplementação, existe evidência muito pouco robusta de que qualquer suplemento nutricional possa ser realmente efectivo no “fortalecimento” do sistema imunitário. Em todo o caso, se tem suplementos de probióticos em casa (> 1010 UFC/dia) não esquecendo o consumo de iogurtes (não é preciso massacrar-se para encontrar kefir, chucrute ou kombucha nesta fase), vitamina C (250-1000mg/dia – não se esquecendo de comer laranja, kiwi, frutos vermelhos, pimento, couve galega) e vitamina D (1000-2000 UI/dia – tentando ter o máximo de exposição solar possível à varanda ou janela, até para diminuir a sensação de enclausuramento) pode fazê-lo. Se não tem, pode encomendar online. Acredite que o seu sistema imunitário agradece mais que fique em casa do que sair para o hipermercado ou farmácia e agravar o risco de contágio para comprar suplementos que não possuem assim tanto efeito.