Como se faz uma vacina para o novo coronavírus?

Estão a ser tentadas várias estratégias para ensinar o nosso sistema imunitário a reconhecer o vírus da covid-19 e dar-nos um avanço em caso de infecção. Mas assegurar que uma vacina é segura e eficaz é um processo demorado.

Foto
CDC

mais de 40 candidatos a vacinas para o novo coronavírus (SARS-Cov-2) a serem desenvolvidas em universidades e empresas. O objectivo de qualquer vacina é estimular o sistema imunitário, dando-lhe uma “amostra” do agente causador de doença, para que este aprenda a reconhecer o invasor. Três tecnologias estão neste momento em cima da mesa: vacinas feitas com vírus inteiros, constituídas por proteínas do vírus ou contendo material genético viral. Mas, mesmo no cenário mais favorável, irá demorar pelo menos 18 meses a desenvolver e a testar uma vacina. E há boas razões para isso: é este longo caminho que nos permite ter confiança nas vacinas aprovadas para uso humano. Para conter o actual surto, a melhor aposta são os procedimentos habituais, tais como lavar as mãos com frequência e o distanciamento social. Mas isso não significa que a vacina não seja necessária, como veremos adiante.

As boas notícias são que já sabemos muitas coisas. O novo coronavírus é parecido com o coronavírus da SARS, que causou uma epidemia global em 2002 e 2003. Ambos têm origem em morcegos chineses e ligam-se ao mesmo receptor nos pulmões humanos (uma enzima chamada ACE2). Os avanços na procura de uma vacina para a SARS são caminho andado para a covid-19. Além disso, os investigadores já conseguiram determinar a estrutura (a forma em três dimensões) da proteína do vírus que lhe permite ao ligar-se às células humanas e infecta-las (é a proteína da espícula, ou spike). Do lado das células humanas também já conhecemos com razoável detalhe a estrutura 3D do receptor (ACE2) onde se liga o vírus. E as sequências das várias amostras do novo coronavírus não têm apresentado grandes mutações, pelo que uma futura vacina poderá manter-se eficaz ao longo do tempo.

Vírus inteiros

As vacinas feitas de vírus inteiros são uma estratégia clássica para as doenças virais. Há de dois tipos. Num deles são usadas formas atenuadas (ou enfraquecidas) do vírus vivo. É o caso da vacina tríplice (contra o sarampo, papeira e rubéola) e das vacinas contra o rotavírus ou a varicela. As do outro tipo são feitas com versões inactivas do agente que causa a doença. São exemplos as vacinas contra a hepatite A ou a poliomielite. Algumas empresas e universidades estão a desenvolver vacinas de vírus inteiros para a covid-19. Este tipo de vacinas é muito eficaz, porque a vacina é muito parecida com a infecção que ajuda a prevenir, criando habitualmente uma imunidade duradoura. No entanto, as vacinas com vírus vivos necessitam de extensos testes adicionais para confirmar a sua segurança. Um dos obstáculos encontrados no desenvolvimento de vacinas contra o coronavírus da SARS foi a ocorrência de “imunopotenciação”, um processo que aumenta exageradamente uma ou mais respostas imunitárias (é o contrário de imunossupressão). E esse problema é particularmente marcado nas vacinas com vírus inteiros.

Proteína da espícula

Um outro tipo de vacinas são aquelas feitas apenas com partes do agente causador da doença. Como contêm só aquilo que é reconhecido pelo sistema imunitário (antigénio), e não vírus inteiros, têm em geral menos efeitos secundários. As vacinas deste tipo para o novo coronavírus baseiam-se na criação de uma resposta imunitária contra a proteína da espícula, de modo a impedir a sua ligação às células do hospedeiro.

Em 2014, investigadores da Universidade de Maryland (EUA) e da empresa Novavax usaram nanopartículas que continham as proteínas da espícula de dois coronavírus (da MERS e da SARS) para induzir a produção de anticorpos em ratinhos. A Novavax assegurou recentemente um financiamento de quatro milhões de dólares para desenvolver uma vacina contra a covid-19 fazendo uso da mesma estratégia.

Também a empresa Clover Biopharmaceuticals anunciou que está a desenvolver uma vacina baseada na proteína da espícula, produzindo-a em culturas de células animais (a ideia é usar células animais para produzir uma proteína do vírus, com o objectivo de desencadear uma resposta imunitária em seres humanos).

A proteína da espícula é um trímero – ou seja, são três moléculas de proteína iguais “encaixadas” umas nas outras. A Clover pretende tirar partido de uma tecnologia desenvolvida anteriormente e que lhe deverá permitir produzir a proteína na forma de trímero, tal como ela se apresenta na superfície do vírus.

No entanto, os candidatos a vacinas para a SARS feitas com as proteínas da espícula inteiras também revelaram alguns efeitos secundários adversos, como algumas formas de imunopotenciação. Assim, um consórcio de investigação liderado pelo Centro para o Desenvolvimento de Vacinas do Hospital Pediátrico do Texas tem procurado criar vacinas para coronavírus apenas com uma parte da proteína da espícula, tendo já usado essa estratégia no desenvolvimento de uma vacina para a SARS. A parte usada é o chamado “domínio de ligação ao receptor” (que se liga às células do hospedeiro). Os domínios de ligação ao receptor dos coronavírus da SARS e da covid-19 são muito parecidos. Este tipo de vacinas, feitas de apenas partes de proteínas, tem menos efeitos secundários adversos.

Material genético

Não são feitas de vírus ou partes de vírus, mas de material genético. Ou seja, dos “planos” para fazer uma proteína do vírus (ou de bactérias, no caso de vacinas para doenças causadas por bactérias). Introduz-se nas células uma sequência de ARN-mensageiro ou de ADN, contendo os “planos” para construir uma proteína do vírus. Depois o nosso corpo produz essa proteína do vírus (antigénio). Como as proteínas virais têm regiões características, elas são reconhecidas pelo nosso sistema imunitário, preparando-nos assim para uma infecção futura.

A produção deste tipo vacinas é mais rápida e barata do que a das vacinas tradicionais. E são mais seguras, uma vez que não contêm nenhum componente do agente infeccioso. Embora esta abordagem seja considerada promissora, ainda não há nenhuma vacina baseada nesta tecnologia aprovada para uso humano (há algumas para uso veterinário).

Foto
Andreas Gebert/Reuters

Várias empresas de biotecnologia estão a desenvolver vacinas para a covid-19 feitas com material genético. A Inovio Pharmaceuticals está a trabalhar numa vacina de ADN, tendo anunciado que planeia realizar ensaios clínicos em humanos já em Abril. A Moderna Therapeutics anunciou já os primeiros testes em humanos de uma vacina baseada em ARN-mensageiro, tendo já recrutado 45 voluntários. Também a CureVac está a tentar uma vacina de ARN-mensageiro, que assenta numa tecnologia usada anteriormente numa vacina para a raiva, já em fase de ensaios clínicos.

Esta empresa alemã tem estado envolvida numa polémica, a propósito de uma alegada tentativa do controlo da empresa pela Administração norte-americana, entretanto desmentida pelas partes. O que é certo é que na última segunda-feira a Comissão Europeia (CE) anunciou um financiamento de 80 milhões de euros para apoiar a CureVac no desenvolvimento de uma vacina contra a covid-19, tendo a presidente da CE  Ursula von der Leyen  referido o seu orgulho em ter empresas como a CureVac na UE: “A casa delas é aqui. Mas as suas vacinas irão beneficiar todos, na Europa e fora dela.”

Qualquer que seja a tecnologia de uma futura vacina, virá em tempo útil? Mesmo que os meses mais quentes que se avizinham no hemisfério Norte ajudem a reduzir a transmissão do SARS-Cov-2 (tal como acontece com outros coronavírus sazonais), continuaremos a precisar de uma vacina para este tipo de vírus. Nos últimos 20 anos tivemos três grandes epidemias de coronavírus (a SARS nos anos 2000, a MERS por volta de 2010). Uma vacina para coronavírus parece ser possível do ponto de vista científico e não há dúvida que é necessária.

Bioquímico e divulgador de ciência

Sugerir correcção