As lições que Taiwan tem para dar na forma de lidar com o novo coronavírus
Sem grandes quarentenas, mas usando inteligência artificial, assistência de saúde gratuita, comunicação frequente e transparente. Foi assim que Taipé se tornou um exemplo, mesmo com a China ali ao lado.
Há várias razões para o sucesso de Taiwan na sua luta contra o novo coronavírus que teve origem na cidade de Wuhan, na vizinha China. Uma é a experiência com a epidemia da SARS em 2003, que deixou 73 mortos, e foi devastadora para a economia. Outra foi uma articulação entre vários departamentos, sector público e privado, informação detalhada ao público, um sistema de saúde preparado, apoio do Estado aos afectados, e cruzamento de dados e inteligência artificial para identificar casos em risco e monitorização para assegurar a quarentena destas pessoas.
Por isso, Taiwan tem a registar 59 casos, uma morte, e 20 casos recuperados. Números muito mais baixos do que países da região como a Coreia do Sul (8086 infectados, 72 mortos) ou o Japão (773 casos, 22 mortos). Mais, Taiwan pode mesmo gabar-se de uma das incidências per capita mais baixas, cerca de uma infecção em cada 500 mil pessoas. Isto quando os seus contactos com a China poderiam fazer prever o contrário: 850 mil taiwaneses vivem na China e 400 trabalham lá, Taiwan recebeu 2,71 milhões de visitantes da China no ano passado.
O sucesso de Taiwan foi detalhado num artigo na revista médica Journal of the American Medical Association por um perito norte-americano, Jason Wang, director do Centro para Políticas, Resultados e Prevenção da Universidade de Stanford, que começou a observar o que estava a ser feito por curiosidade, porque se preparava para um curso numa universidade em Taipé.
O plano de resposta rápida incluiu 124 acções que foram tomadas ao longo de cinco semanas, e concretizadas com rapidez e coordenação impressionantes aos primeiros sinais de alarme – ainda não era conhecida a situação real na China, mas já os peritos taiwaneses tinham tido a sensação de que havia um problema maior do que o admitido por Pequim.
Parte da razão da rapidez e coordenação das medidas foi um centro herdado do tempo da SARS, um surto que se espalhou a vários países em 2003, causado por um outro coronavírus, com uma cadeia de decisão rápida.
Cinco dias depois de ter o primeiro caso confirmado, a 26 de Janeiro, Taiwan cortou as viagens de Wuhan – o primeiro local a fazê-lo. E passado pouco tempo fez o mesmo em relação a voos de outras cidades chinesas, permitindo apenas o regresso de taiwaneses.
Mas esta foi apenas uma de um grande leque de medidas. Todos os aeroportos têm monitores de temperatura desde 2003, e qualquer pessoa com febre, um dos sintomas de doença provocada pelo coronavírus, era sinalizada.
Mais, dados do percurso de viagens da pessoa nas duas semanas anteriores e outros eram cruzados, o que permitia fazer logo uma triagem de casos potenciais do novo coronavírus – encaminhados para estrita quarentena - ou apenas uma outra virose. Mais, quem viesse de zonas consideravelmente afectadas era posto de qualquer modo em quarentena. O uso de inteligência artificial para cruzar dados e estimar risco – por exemplo, alertando em tempo real os habitantes de áreas de risco – foi considerado um sucesso.
Vigilância por GPS, quarentena paga
Quem estivesse de quarentena era monitorizado via localizador do GPS do telefone – e sujeito a multas pesadas se prevaricasse. Quem não declarasse sintomas era sujeito a multas avultadas. Um homem que não informou as autoridades que tinha sintomas depois de regressar de Wuhan e foi a uma discoteca no dia seguinte foi multado em dez mil dólares taiwaneses (quase 3000 euros).
Por outro lado, o sistema de saúde tem uma cobertura praticamente universal, os testes não têm custos para os potenciais doentes, e qualquer pessoa que tivesse de ficar de quarentena tinha os custos totalmente assegurados pelo governo, desde o alojamento, se precisasse, à comida.
Os hospitais começaram também rapidamente a testar e reportar casos, e quando eram identificados, as autoridades também usaram os dados para determinar rapidamente quem tinha estado em contacto com os doentes – estas pessoas eram rapidamente postas em quarentena. E, mais, voltaram por vezes a testar pessoas cujo teste tinha dado negativo, apontou Wang.
Não houve limites a encontros em locais públicos, mas a maioria das empresas e estabelecimentos (centros desportivos ou comerciais, restaurantes ou bares) só permitiam a entrada depois de medirem a febre e desinfectarem as mãos dos visitantes, e nos prédios residenciais havia gel desinfectante nos elevadores, ou à saída, para quem tocasse nos botões pudesse logo desinfectar as mãos.
Na Ásia e em países com grandes concentrações de pessoas, máscaras de protecção são úteis e promovem uma sensação de segurança na comunidade - apesar de serem consideradas em geral pouco eficazes para impedir a transmissão do vírus na comunidade, sendo sim aconselhadas apenas para quem está doente e para profissionais de saúde (especialmente em países europeus onde começam a faltar).
Mas dada a sua importância local, as autoridades proibiram os fabricantes de máscaras de as exportar, racionaram a sua compra por pessoa, e estabeleceram um preço mais baixo a 16 cêntimos. A certa altura, destacaram mesmo soldados para as fábricas para aumentar a produção.
Sentido de comunidade
O professor de Medicina da Universidade da Califórnia Robert Brook, que é-co autor do estudo de Wang sobre o sucesso de Taiwan, destaca que outro ponto crítico foi a unidade nacional em volta da questão, apesar de existir um sistema político tão polarizado como nos Estados Unidos. “Os vários partidos políticos dispuseram-se a trabalhar juntos para produzir uma resposta imediata ao perigo”, disse. “Mas sabiam que tinham uma crise em mãos e conseguiram agir juntos, cortar a burocracia e trabalhar rapidamente para fazer o que era preciso”, disse à estação de televisão americana NBC.
E a transparência e comunicações frequentes de responsáveis – e ainda emissões regulares de rádio e televisão, ou apps que mostravam onde havia máscaras disponíveis para compra em tempo real, por exemplo – foram também importantes para evitar o pânico.
De uma linha de apoio nacional o país passou rapidamente a ter linhas locais em várias grandes cidades, para assegurar que ninguém ficava sem resposta rápida.
Essencial foi também a cooperação dos cidadãos, conseguida tanto pela transparência da comunicação como pela experiência da SARS, que “ajudou a criar um sentido de comunidade”, disse Chunhuei Chi, professor de Saúde Pública na Universidade de Oregon, à emissora alemã Deutsche Welle. “Sabem que estão nisto juntos e isso faz com que cumpram as medidas decretadas pelo Governo.”
Este sucesso aconteceu apesar de Taiwan não pertencer à OMS – por causa de pressão de Pequim, que insiste que Taiwan não é um país independente e sim parte da China. “A OMS devia saber que a inclusividade é a chave para combater uma pandemia, e se está a ignorar algumas pequenas partes do mundo, isso não é bom”, disse Wang.
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