Se olharmos para os últimos anos, vamos poder constatar que se verificou um claro aumento no interesse das pessoas relativamente a temas como a saúde, o bem-estar, o desenvolvimento pessoal ou o autoconhecimento, entre outros do género. Associados a estas temáticas, normalmente, vêm chavões que nos ajudam a sentirmo-nos mais confortáveis quando abordamos estas matérias. Do célebre “sair da zona de conforto” até ao “descobrir o propósito”, daria para gastar latas de tinta só a enumerar expressões como estas.
Uma das que sempre me chamaram mais a atenção foi as “pessoas tóxicas”. Ao escrever no Google “pessoas”, uma das primeiras sugestões que aparecem logo para complementar é “tóxicas”. Além de isto querer dizer que há um claro interesse neste tema, que mais pode revelar esta evidência? Sofreremos todos desta “maleita” social? Até que ponto a identificação destas pessoas é assim tão determinante para o nosso bem-estar?
Como em todas as modas e em todas as novas tendências, há sempre uma boa dose de cegueira a impelir-nos a seguir o movimento pelo simples facto de não querermos ficar de fora. De um momento para o outro, todas as pessoas começaram a catalogar seres humanos e sítios como tóxicos. Tantas vezes ouvi desabafos como estes:
– A minha relação é tóxica. Acho que o melhor é terminar.
– O emprego onde estou tem um ambiente tóxico.
– Aquela amiga não me faz nada bem, é uma amizade super tóxica.
Ironias à parte, de repente parecia que toda a gente tinha acordado em Tchernobil com um detector de radiações que não parava de apitar. Pairava no ar uma mescla de sensações do tipo “Finalmente descobri o que me impede de ser feliz” e “Agora é que vai ser!”. Naturalmente, compreendo perfeitamente este fenómeno e concordo que devemos ser selectivos no momento de escolher onde e com quem estar. Ainda assim, fico com a sensação de que se dá demasiada importância a estas ditas “sanguessugas emocionais”.
Continuo a ser um acérrimo defensor da assunção da responsabilidade individual. Só tem hipóteses de nos tirar energia quem por nós for autorizado a tal. Se alguém tiver um comportamento dito “tóxico” connosco, isto quer dizer que, algures no meio da relação, seja ela pessoal ou profissional, nós permitimos que tal acontecesse. Por vezes, essa permissão é tão subtil que nem nos damos conta, ainda que o nosso comportamento tenha transmitido essa indesejável mensagem.
Muita da toxicidade que acaba por entrar nas nossas vidas advém do veneno que, uma vez por outra, vamos sendo para nós próprios. Desviar o holofote da negatividade exterior e virá-lo para nós mesmos parece-me um investimento bem mais seguro. Isto acaba por não acontecer tão frequentemente, pois é muito mais fácil despejar as culpas nos outros. Apontamos o dedo aos amigos que se aproveitam de nós, ao chefe que é ríspido connosco ou à pessoa com quem partilhamos intimidade e que nos reprime, mas nunca apontamos os olhos para onde tudo começa: o nosso interior. Os episódios tóxicos são apenas um sintoma, a origem da doença é sempre mais profunda.
Temos todas as condições para sermos os donos das nossas vidas – só depende de nós quem entra, sai ou permanece. Se baixarmos demasiado a fasquia, então estamos a dizer ao mundo que qualquer um pode transpô-la. Tornamo-nos terreno fértil para pessoas daninhas que, a todo o custo, irão impedir-nos de desabrochar. A auto-estima não está lá fora. Devemos amar-nos e abrir portas apenas ao que e a quem nos fizer bem. Mesmo que por vezes seja difícil vislumbrar tal evidência, é fundamental que não nos esqueçamos de que ninguém merece algo ou alguém que lhe faça mal. Nunca. Não é suposto alimentar cenários que fazem o nosso coração passar fome. Se alguém te disser o contrário, provavelmente esse alguém está a dar-te a provar do seu veneno.