Toca da Raposa: entrar na cabeça de Constança e beber o que está lá dentro
No bar Toca da Raposa, todas as quartas-feiras haverá sessões experimentais em que se testam novas bebidas. Entre sementes de freixo, folhas de figueira e absinto com cogumelos, tudo é possível.
Nota: em colaboração com o plano de contenção e prevenção da covid-19, o bar fechou agora as portas temporariamente.
Uma mesa cheia de coisas cruas, folhas verdes, beterraba e nabo cortados em fatias finas, uma alface, pickles de couve-flor. E copos. Vários copos, que se vão juntando à nossa frente, cada um com o seu feitio.
Há uma luz vinda do tecto que ilumina a mesa e deixa o resto do espaço na obscuridade. E há uma rapariga loira atrás da mesa, que se ri muito, fala com o corpo todo, abre garrafas, mistura líquidos, apresenta caixas com mais folhas e sementes, conta histórias.
Estamos na Toca da Raposa, o bar de Constança Cordeiro, na Rua da Condessa, perto do Largo do Carmo, em Lisboa, e esta é a primeira sessão das R&S Sesh, que vão passar a acontecer todas as quartas-feiras, em dois momentos, às 18h30 e às 20h30.
A Toca continua, nesses períodos, a ser um bar. A diferença é que vamos entrar dentro da cabeça de Constança e assistir, quase sem rede, à forma como ela pensa as bebidas que ali cria e como as prepara, com o apoio essencial de Patrícia.
Entrar na cabeça de Constança é um pouco como sermos a Alice, cairmos na toca do coelho e passarmos para o país das maravilhas onde é tudo um pouco louco, um pouco confuso, um pouco desarrumado, mas onde podemos descobrir coisas nas quais nunca tínhamos pensado.
Constança não tem preconceitos quando se trata de juntar sabores. Há uma ideia que parece completamente improvável? Óptimo, porque ela vai experimentá-la. Por exemplo (foi a sexta bebida na sessão inaugural das R&D Sesh), absinto e cogumelos.
Chamou-lhe Bear, e, mesmo que dificilmente possa ser consensual, é, sem dúvida, uma bebida que nos faz pensar. E, sobretudo, prestar atenção a detalhes como o facto de a primeira sensação ser a do álcool do absinto, mas, depois do primeiro golo, o sabor que fica na boca, persistente, ser o dos cogumelos.
Durante uma hora e meia vamos rir-nos e desafiarmo-nos com as ideias de Constança, que não mostra quaisquer problemas em partilhar connosco as dúvidas que tem no seu processo criativo. “Is boring the new black?” é a pergunta que lhe ocorre a propósito da primeira bebida que nos dá a provar, a Beija-Flor, uma mistura entre um sour mix de açúcar e ácido cítrico (feito na casa, como a grande maioria das bebidas que aqui usa) e uma soda tutti-fruti com fruta da época (neste caso, com ananás dos Açores).
No papel que temos em cima da mesa com rabiscos, palavras, frases e desenhos, uma tradução visual da cabeça da nossa anfitriã, o Beija-Flor vem acompanhado por uma pergunta: “Elegant or just boring?”. E preparem-se, porque Constança quer ouvir as nossas opiniões. Este é um trabalho em aberto, e estas bebidas podem – ou não – vir a integrar a carta da Toca.
Há, por exemplo, um vodka de batata com xerez, porque a barwoman sempre quis usar xerez e resolveu fazer um destilado a partir de batatas assadas. Uma das pessoas à volta da mesa acha que o resultado está “um pouco salgado”, e Constança pede a Patrícia para acrescentar um pouco mais de xerez em cada copo. Sim, melhorou, concordamos todos.
Constança conta como, vivendo na linha do Estoril e trabalhando no Largo do Carmo, passa por Monsanto para apanhar folhas e ervas que vai usar nos seus destilados e bebidas várias. De Arraiolos, no Alentejo, trouxe sementes de freixo que vai usar num licor. Pede-nos, primeiro, para provar as sementes, e só depois o licor. “Nem sabia o que era quando as apanhei”, confessa.
Foi em 2017, quando veio de Londres, que voltou para Portugal e, tendo tirado o que imaginava que seriam uns meses (e acabou por ser pouco mais do que duas semanas) para “olhar para as plantas”, descobriu as sementes de freixo que têm “um perfil de sabor muito complexo, uma mistura de erva-príncipe com carvalho francês” e que “podem ser um digestivo ou o início do nosso amaro”.
Antes disso já tínhamos provado folhas de mostarda. No papel que temos à frente, a propósito desta bebida, há uma frase cheia de pontos de exclamação: “Está por todo o lado!!!. Mustard fields forever.” E ainda havemos de provar as extraordinárias folhas de figueira, sobretudo as mais jovens (“é quase um infanticídio”, brinca Constança), que vão dar um daiquiri.
Entre pão da padaria Isco molhado em azeite ou em gemas de ovo e dentadas nos legumes crus que se espalham sobre a mesa, aprendemos coisas novas, descobrimos sabores que nem imaginávamos e ficamos convencidos que o universo de coisas que se podem beber (ou transformar em bebidas) é muito maior do que parece. E não, Constança, na Toca da Raposa “boring” não é o “new black”. Não há nada de aborrecido nestas R&D Sesh.