Porto “deserto” enquanto combate coronavírus
A Rua de Santa Catarina nunca esteve tão vazia. Nos transportes públicos abundam lugares vazios. Um país em estado de alerta tirou as pessoas da rua — e há quem não saia sem máscaras.
General Torres, São Bento, Aliados, Trindade, Senhora da Hora. São estações de metro na cidade do Porto que, em hora de ponta, costumam sempre concentrar um elevado número de pessoas. Encontrar um lugar vazio é coisa rara e sair da carruagem sem pedir licença três ou quatro vezes também não é tarefa fácil. Nesta manhã de sexta-feira, menos de doze horas depois de, a propósito da propagação do novo coronavírus, o Governo português impor uma série de medidas que colocam o país em estado de alerta até 9 de Abril, não foi este o cenário que se viu.
“O Porto ficou em casa. A cidade está a parar. E é mesmo isso que temos de fazer. Não há outra hipótese.” Quem o diz é Daniel Pires, um dos proprietários dos Maus Hábitos, naquele que por norma é o mais requisitado quarto andar da Rua Passos Manuel. Por norma porque, no início da semana, o restaurante e espaço de intervenção cultural foi uma de muitas casas que precisaram de abrandar significativamente a sua actividade. Na quarta-feira, 11 de Março, anunciou-se o adiamento de todos os eventos agendados até ao fim do mês. Agora, apenas os almoços e jantares funcionam dentro da normalidade. E mesmo estes registaram “uma queda gigantesca”. Impede-se ao máximo “a aglomeração de pessoas” nos corredores e desligam-se as luzes à meia-noite. “Estamos a preparar-nos para a possibilidade de fechar a 100%.”
Na Casa da Música, há quem tape o rosto com casacos ou cachecóis enquanto sai da estação subterrânea e sobe as escadas que levam à Avenida de França. Com o encerramento de aulas presenciais em diferentes instituições de ensino superior no Porto, os passageiros têm espaço para manter alguma distância — e evitam contacto com os corrimões sempre que podem. Mais à frente, perto da paragem de autocarros, as pessoas socorrem-se do gel desinfectante que trazem nas malas ou mochilas e esfregam as mãos. Não são muitos os que viajam no autocarro 507 — que faz a ligação entre o Jardim da Cordoaria e Leça da Palmeira —, da Sociedade de Transportes Colectivos do Porto (STCP). O motorista conversa com um colega: “Já viste quantos casos confirmados há em Portugal? Eu já não sei o que vai ser das nossas vidas.”
Uma preocupação que domina todas as conversas de café — quando estas existem. Não é costume a pastelaria Bella Roma ou o Café Embaixador, na Rua de Sampaio Bruno, transversal à Praça da Liberdade, terem tão poucos clientes. O Caloirinho, cafetaria situada na Praça Coronel Pacheco, vai tirar umas “férias forçadas” durante a próxima semana. “Não temos tido clientes nenhuns nestes últimos dias”, contam os donos do espaço. “Vamos limpar um bocadinho o organismo.”
A cidade já começava a mostrar sinais de evidente abrandamento nos primeiros dias da semana. Na quarta-feira, o dono do Café Batalha apontava com um ar desinteressado para as cadeiras livres enquanto passava um pano pelo balcão. À beira da estranhamente vazia estação de comboios de São Bento, ou, mais acima, na Rua dos Clérigos, acumulavam-se os táxis estacionados que aguardavam, aparentemente em vão, a chegada de um passageiro. “Este é um negócio que vive à custa do turismo. Está tudo com medo de viajar”, queixava-se Rui Queirós, taxista há quase quatro anos. “Quem está habituado a percorrer a cidade para trás e para a frente vê logo que o Porto está deserto.”
Hoje, com o país a meio gás, esse sentimento cresceu. A Rua de Santa Catarina não foi deixada ao abandono, mas não é a Rua de Santa Catarina do costume. Os peões conseguem andar livremente no meio da Rua Saraiva de Carvalho, voltada para a Universidade Lusófona do Porto, como se nada fosse. A Ponte Luís I não tem quase ninguém. Curiosamente, só a Livraria Lello, na Rua das Carmelitas, acolheu a fila do costume, mas até aqui eram tomadas precauções. Em vários pontos do espaço havia gel desinfectante, e apenas um número reduzido de pessoas entrava de cada vez. De resto, quem tem autorização para trabalhar à distância não corre riscos desnecessários — e ao mesmo tempo, há quem não saia de casa sem uma máscara protectora.
“Hoje de manhã, cheguei à Baixa e pensei: ‘Isto não pode ser a minha cidade.’ É assustador.” António Almeida é um dos poucos dentro do autocarro 201 (Aliados – Viso). O portuense de 62 anos senta-se à beira da janela e, enquanto olha para a Praça Guilherme Gomes Fernandes com um misto de admiração e desalento, confessa que ainda não tinha dado “a devida importância” às notícias sobre o surto de covid-19. “Costumava pensar que isto era aquele tipo de coisa que só acontece aos outros”, admite. “Agora estou a ver que isto é sério.” Hipertenso e diabético, o paraplégico desde os cinco meses de idade diz que é “um caso de risco”. “Se for ‘apanhado’, o que é que eu faço?”
Os Maus Hábitos não sabem quando vão “voltar à normalidade”. Daniel Pires salienta que há outras prioridades neste momento. “Vamos fazer o que tivermos de fazer para combater o problema. Estamos todos no mesmo barco. Nunca estivemos tão unidos. E isso é muito importante.”
Texto editado por Andreia Sanches