Há que pensar, e há que pensar bem. Embora esta seja uma questão ambiental urgente, a dimensão ética permanece a mais importante, do ponto de vista civilizacional. Ainda assim, considero importante fazer referência a alguns factos: que a agropecuária atingiu um ponto em que representa uma das maiores ameaças ao nosso planeta, não só porque contribui imensamente para as alterações climáticas com as emissões de gases poluentes para a atmosfera, como requer um enorme consumo de recursos como a água e os solos férteis, que são exaustivamente utilizados para produzir alimento para esses animais que depois consumimos. É importante saber que as florestas tropicais são destruídas a um ritmo de cerca de 5800 hectares por dia, para abrir espaço à criação intensiva de gado. Talvez esteja na altura de nos perguntarmos se vale a pena.
Porém, e porque o avanço da civilização se processa numa constante renovação de ideias e práticas, é a visão ética que defendo. Pensemos bem, se não é verdade que tantas práticas foram abolidas no passado, não só por serem cruéis, mas por serem injustas. Não olhamos hoje para a abolição da escravatura pensando que os abolicionistas foram especialmente amáveis ou empáticos, mas sim que foram justos, porque fizeram o que era correcto e que deveria ser feito. A abolição da injustiça não é um acto de bondade ou caridade, é apenas um alinhamento com o que é correcto. Restaurar a justiça é apenas o que deve ser feito — não merecemos um altar por isso.
Portanto, porque a justiça não é extraordinária, mas apenas o mínimo que deveremos exigir a nós próprios, não comer animais, do mesmo modo, não é um acto de sensibilidade e compaixão, mas sim de justiça e respeito. Trata-se de reconhecer o não-humano como outro e entender que não temos o direito ao corpo do outro. Do mesmo modo que o mestre não tem direito ao corpo do escravo e o homem não tem direito ao corpo da mulher, não temos direito ao corpo do animal não-humano porque ele não é nosso.
Fomos socializados para achar que comer animais é normal porque precisamos de o fazer, porque eles existem para isso mesmo e porque as suas vidas valem menos que as nossas. Que bases concretas usamos para concluir que a vida de um animal não-humano é menos valiosa? Podemos, claro, argumentar que eles não são racionais, não possuem um grau de complexidade que lhes permita sentir como nós. Porém, estas são apenas informações que, embora possam ser factuais, não justificam a supremacia daquele que supostamente sente mais.
Ainda que seja verdade que um animal não-humano não pensa como eu, como é que isso prova que a sua vida vale menos que a minha? Com certeza que, para mim, a minha vida é mais valiosa porque sinto o que sinto, sei e penso no que estou a sentir – mas esta é apenas a minha perspectiva humana. A perspectiva humana não é a única. Certamente que a criatura tem tanto desejo a viver quanto eu e certamente que sente o que sente, ou não teria sistema nervoso. Certamente que a sua vida tem valor para si mesma e certamente que existe com os seus próprios motivos e propósitos para existir. É apenas lógico pensar que qualquer criatura que exista tem o desejo de preservar a sua vida e evitar a todo o custo a dor. Pensar isto não é radical, é apenas justo. Se parece radical, é porque não estamos habituados a pensá-lo.
Vivemos a vida inteira dentro de uma esfera que é a nossa perspectiva, quase intransponível. Sair dela não é radical, é necessário, se queremos ver outras perspectivas e pensar bem sobre elas. Não comer animais é um acto de revolução, só na medida em que exige justiça, e esta é escassa. Exige consciência — sair do nosso corpo, da nossa perspectiva, e ver com os olhos do outro. Não há régua que meça o sentir. Não só eu tenho sistema nervoso para sentir. Justiça não é decidir quem merece viver pelos meus parâmetros. Tudo quanto existe e vive fora de nós não é, nem pode ser, considerado nossa propriedade. Não podemos tirar aquilo que, por direito, nunca nos pertenceu. Não comer animais é uma questão de direito. Só o nosso corpo é a nossa jurisdição e fora dele ninguém nos deu o direito de exercer domínio.