Brasil começa a preparar-se para a escalada no número de infecções por coronavírus
Várias entidades estão a tomar medidas para conter a propagação do coronavírus no país mais populoso da América Latina. Rio de Janeiro merece mais preocupação.
A reviravolta protagonizada pelo Presidente brasileiro, Jair Bolsonaro, que esta quinta-feira apareceu em directo com uma máscara a pedir o adiamento de manifestações a seu favor, talvez seja o momento que marca um ponto de viragem na percepção da ameaça representada pelo novo coronavírus no maior país da América Latina.
O Brasil prepara-se para a curva ascendente de infecções, à semelhança do que acontece na Europa. No estado de São Paulo, o mais populoso do país, com 44 milhões de habitantes e onde se registaram mais casos do novo coronavírus, os cenários projectados variam entre os 460 mil infectados e mais de quatro milhões, consoante a evolução da propagação. O balanço oficial feito pelo Ministério da Saúde a meio da tarde desta sexta-feira cifrava-se em 98 casos confirmados em todo o país e mais de 1400 suspeitas. Pela primeira vez houve casos de transmissão comunitária do vírus, ou seja, quando não é possível rastrear a cadeia de infecção, detectando o primeiro paciente.
Em várias esferas nota-se uma preocupação crescente, especialmente desde que a Organização Mundial de Saúde declarou estarmos perante uma pandemia. À semelhança do que aconteceu em vários países europeus, os principais jornais nacionais passaram esta sexta-feira a disponibilizar acesso gratuito online aos conteúdos sobre o coronavírus. Os canais de comunicação oficiais de entidades como o Ministério da Saúde também reforçaram as mensagens com conselhos e informações à população.
Depois de alguma lentidão, as primeiras decisões para conter a propagação do covid-19 no Brasil começaram a ser tomadas. Respeitando o apelo de Bolsonaro, vários grupos de apoio ao Governo desconvocaram a manifestação de domingo, embora nas redes sociais subsistam resistentes que dizem pretender sair às ruas. Da mesma forma, os actos planeados para este sábado para assinalar o segundo aniversário do homicídio da vereadora do Rio de Janeiro, Marielle Franco, e do seu motorista, Anderson Gomes, foram cancelados, tal como os protestos a favor da educação marcados para dia 18.
A chegada da pandemia ao Palácio do Planalto, através da infecção do secretário de Comunicação do Governo, Fábio Wajngarten, também ajudou a aumentar a percepção dos riscos do covid-19. Mas não sem antes criar uma nova polémica com Bolsonaro. Durante o dia circulou a notícia de que o primeiro teste realizado pelo Presidente tinha sido positivo e a FOX News chegou mesmo a citar o filho mais novo, o deputado federal Eduardo Bolsonaro. Poucas horas depois, Bolsonaro afirmou que o teste foi negativo e apontou baterias à imprensa: “Não acredite na mídia fake news!”, escreveu no Twitter.
Recomendações
O Ministério da Economia anunciou algumas medidas de apoio a grupos mais vulneráveis, como os idosos, como a antecipação do pagamento das pensões e a suspensão da prova de vida que os reformados devem fazer. Foi também anunciada a contratação de 5800 médicos para reforçar o Sistema Único de Saúde em Abril.
No entanto, não foram ainda postas em prática medidas de excepção para conter a propagação do coronavírus. O Ministério da Saúde apenas deixou recomendações, como a quarentena voluntária para quem entre no país proveniente do estrangeiro e o cancelamento de grandes eventos.
Até agora, a maioria das decisões tem sido tomada ao nível estadual, com diferentes graus de prevenção. Em Minas Gerais, por exemplo, foi decretada a situação de emergência pelo governador Romeu Zema, que inclui a obrigatoriedade de proceder a certos exames laboratoriais em casos específicos e a isenção de licitação para a aquisição de materiais clínicos. Em São Paulo, a Câmara Municipal cancelou todos os eventos de grande escala durante “tempo indeterminado”.
A Federação das Indústrias de São Paulo (FIESP), em conjunto com outras associações profissionais, emitiu uma série de directivas para “evitar picos de contaminação”, como o teletrabalho e a suspensão de reuniões não indispensáveis. Por iniciativa própria, várias universidades anunciaram a suspensão das aulas presenciais e muitos espectáculos foram cancelados ou adiados. A maioria dos jogos de futebol dos campeonatos estaduais vai ser disputada à porta fechada este fim-de-semana.
O Rio de Janeiro, onde as aulas foram suspensas, é um dos locais que reúne mais preocupação. Há receios de que o sistema de saúde do estado com 16 milhões de habitantes não tenha capacidade para suportar os picos de procura previstos em virtude da grave crise orçamental que se abate sobre a região há já alguns anos. Nos últimos seis anos, o estado perdeu seis mil camas hospitalares, a maior queda do país, de acordo com dados da Defensoria Pública da União.
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