Belas impertinentes
Retrato de uma Rapariga em Chamas enverga a sua singularidade e a sua inteligência com uma verve, liberta e libertadora, que não são comuns. Como não é comum a entrega à emoção e às formas que melhor a transmitem.
Retrato de uma Rapariga em Chamas traz uma novidade ao cinema de Céline Sciamma: a releitura dos códigos do filme de época (tudo se passa no final do século XVIII, em França, uns poucos anos antes da revolução), e com ela a possibilidade de um enlevo romanesco, ou mesmo romântico, visto que o filme está cheio de signos desse calibre. É também um filme de pintura, actividade no centro do filme, através da história de uma pintora (Noémie Merlant) contratada por uma aristocrata de província (Valeria Golino) para pintar o retrato da filha (Adèle Haenel), retrato esse que terá a função de a “apresentar” ao prometido futuro marido, um aristocrata italiano. Como a rapariga não quer casar, pelo menos nestas condições que ultrapassam a sua vontade própria, o retrato e a sua necessidade começam por ser uma figura de opressão, o que traz um atrito especial à relação pintora/modelo, e força a primeira a uma pequena encenação: durante algum tempo, é apenas uma “visitante”, que convive com a modelo para lhe estudar os mais ínfimos traços físicos e psicológicos e poder depois compor-lhe o retrato, de cor. Ou par coeur, como dizem os franceses e aqui faz sentido, até porque a paixão e o desejo, num contexto em que são dupla ou triplamente proibidos, fazem a sua aparição, e é sobretudo a partir da sua manifestação que Sciamma conduz o seu filme a lugares bastante surpreendentes.
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