As mulheres no meio: retrato de uma mulher de 40 anos

Depois de um dia de trabalho, uma mulher da minha geração traz frequentemente mais dinheiro para casa do que o seu companheiro. Quando chega a casa, frequentemente tem de responder às necessidades dos seus filhos. E o que recebe? O famoso cliché “o que é o jantar?”.

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Somos provavelmente muitas. Em silêncio, porque a vida continua, é preciso andar para a frente e continuar a fazer todas as tarefas que temos mesmo de fazer. Deixando para amanhã a resolução dos nossos sentimentos.

A geração de mulheres do baby boom dos anos 50-60 foi pioneira. Foram as primeiras a conseguir sair dos lares, da dependência dos maridos, da função meramente geradora de filhos e governanta de casa. Do embonecar-se para o marido e servi-lo como um dono. Estas filhas foram diferentes: foram licenciadas, trabalhadoras, independentes, iniciaram relações sexuais antes do casamento, fizeram contracepção, casaram ou não casaram conforme quiseram. Estas filhas tiveram filhas. E essas filhas somo nós.

Fomos educadas na liberdade. Criadas para ser iguais aos homens: estudar, trabalhar, sair de casa, namorar sem casar, escolher o nosso caminho sem obrigações de passar a ferro, cozinhar ou agradar. Muitas de nós no entanto foram criadas pelas avós, bastião do lar, presentes na retaguarda, que permitiam às nossas mães trabalhar sem restrições, seguras das suas crias bem cuidadas por estas avós-mães. Tivemos o melhor dos dois mundos: o exemplo das mães independentes e fortes, com a doçura das avós domésticas, os seus cozinhados e os seus colos. Para mim, foi a educação perfeita.

Mas nós crescemos e casámos. Tivemos filhos. Casámos com homens que cresceram também nestes princípios: mulheres iguais a homens. Contas divididas. Responsabilidades divididas. Não seguramos as portas a estas mulheres, elas são iguais a nós.

Aquilo que as nossas mães não adivinharam é que nós de facto continuamos a ser mulheres como elas. Mulheres que além de fazerem tudo o que um homem faz, também vivem a maternidade, o amor e continuam apesar de tudo a ser o núcleo da casa. Eu explico. Por mais que sejamos iguais aos homens, nós continuamos a saber cozinhar e conseguimos fazer a gestão de várias tarefas em simultâneo. Por enquanto, a maternidade cabe-nos exclusivamente a nós. As transformações hormonais e físicas, as dores mamárias, as noites sem dormir e o passar a ter uma parte de nós fora do nosso corpo, essas são experiências que não conseguimos partilhar com os nossos companheiros. Esses mesmos companheiros a quem continuamos a tratar muitas vezes como mais um filho, assegurando que têm os seus pratos favoritos, a sua roupa em ordem e ainda uma mulher bonita, em forma depois da gravidez e com disponibilidade mental e física para eles — porque, afinal, o mundo está cheio de histórias de maridos que trocam as mulheres por outras mais novas.

As nossas mães onde estão? Não estão em casa a ajudar as filhas com os filhos e os cozinhados. Estão a trabalhar, onde sempre estiveram. E quando terminam de trabalhar, não querem mais trabalho. Querem apenas tratar de si, que bem o mereceram: afinal trabalharam toda a vida.

Os nossos maridos, como são? São homens modernos: sabem que não precisamos deles para nada, que somos auto-suficientes e por vezes ganhamos melhor que eles, temos mais ambição profissional e somos as verdadeiras chefes das casas também. Penso que se sentem diminuídos. Afinal, também não os deixamos desempenhar o papel de macho — nem para mudar uma lâmpada. Somos boas demais. Por isso, perdem o drive para nos agradar. É impossível! Agradar como? Prendas, dinheiro? Somos impossíveis de surpreender. Afinal, quando queremos, compramos. Quando queremos, viajamos. Quando não queremos, não fazemos. Somos insuperáveis.

E nós, mulheres filhas das nossas mães, ficamos neste limbo. Não somos as nossas avós. Não somos as nossas mães. Somos mulheres no meio. O que queremos em troca? Apenas ser amadas. Mas ser amadas com qualidade.

Depois de um dia de trabalho, uma mulher da minha geração traz frequentemente mais dinheiro para casa do que o seu companheiro. No trabalho, assegura frequentemente posições de chefia e maior responsabilidade que o seu companheiro. Quando chega a casa, frequentemente tem de responder às necessidades dos seus filhos e ainda verificar e muitas vezes executar tarefas domésticas. E o que recebe? “Onde estão as minhas meias?” ou o famoso cliché “o que é o jantar?”.

Porque continuamos a tolerar isto? Porque não nos tornamos verdadeiramente independentes? Porque ainda trazemos em nós uma réstia das nossas avós: amáveis esposas com necessidade de agradar, mães perfeitas, num cruzamento antagónico com as nossas mães pioneiras, mulheres de trabalho centradas em si, que se libertaram dos lares.

Por mim falo. Mas acho que por muitas de nós também. Gostava de ser melhor amada — às vezes protegida e levada pela mão. Porque estou cansada de trabalhar, cuidar, ganhar, gerir. Porque, de facto, não sou independente, mesmo que pareça ou até mesmo que queira. Estou presa em filhos, bens, contas, férias de família, pais, tios e avós que envelhecem e precisam de mim.

Todos precisam de mim, mas eu também preciso que me carreguem por vezes. Como serão as nossas filhas?

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