Grécia nega existência de centro de detenção “secreto” onde os migrantes são tratados “como animais”
New York Times citou vários migrantes que dizem ter sido roubados e agredidos pelos guardas fronteiriços, antes de deportados para a Turquia. Erdogan compara gregos aos nazis.
Primeiro recusou comentar, mas pouco mais de 24 horas depois o Governo da Grécia refutou totalmente a notícia do New York Times. Foi esta a sequência espaçada da reacção de Atenas ao artigo do jornal norte-americano, publicado na terça-feira, que deu conta da existência de um centro de detenção “secreto”, perto da localidade fronteiriça de Poros, onde muitos dos milhares de migrantes que vieram da Turquia, nos últimos dias, dizem ter sido roubados, despidos e agredidos, impedidos de requerer asilo ou de contactar um advogado, e deportados, logo de seguida, pelos guardas fronteiriços gregos.
“Para eles somos como animais”, acusou Somar al-Hussein, sírio, um dos migrantes entrevistados pelo diário nova-iorquino, que entrou na Grécia através do rio Evros e que diz ter sido alvo de tratamento abusivo no centro de detenção “secreto”.
“Não há nenhum centro de detenção secreto na Grécia”, garantiu, no entanto, esta quarta-feira, Stelios Petsas, porta-voz do executivo grego. “Todas as questões relacionadas com a protecção e a segurança das fronteiras são transparentes. A Constituição está a ser aplicada e não há nada de secreto”, insistiu.
Com jornalistas no terreno, impedidos de entrar no local por soldados gregos, o New York Times entrevistou diversos migrantes que dizem ter sido ali alvo de tratamento desumano, analisou imagens de satélite, informou-se junto de um centro de estudos sueco sobre migrações que opera na zona e falou com um antigo funcionário grego familiarizado com as operações policiais fronteiriças. Informação que diz ter-lhe permitido confirmar a existência do centro.
Segundo o jornal norte-americano, está localizado num terreno agrícola onde foram construídos vários edifícios e não está classificado pelas autoridades como um centro de detenção de migrantes que, naquela zona, cruzam habitualmente o rio Evros, vindos da Turquia. Jornalistas da Reuters também tentaram entrar no local, sem sucesso, e dizem tratar-se de um complexo militar.
Recorrendo a imagens de vídeo e a testemunhos, o New York Times acusou ainda os guardas gregos de terem abatido a tiro um outro migrante sírio, de 22 anos. O vídeo foi filmado pelas autoridades turcas e distribuído pela imprensa estrangeira.
Mas Petsas negou “categoricamente” as acusações e apontou o dedo a Ancara, como já feito há uma semana. “Trata-se de propaganda turca organizada e de disseminação de notícias falsas”, atirou o porta-voz do Governo liderado pelo conservador Kyriakos Mitsotakis.
“Barbárie” grega
A resposta da Turquia não se fez esperar. E pela voz Recep Tayyip Erdogan, que lançou duras críticas ao seu vizinho europeu. “Não há nenhuma diferença entre as imagens na fronteira grega e aquilo que os nazis fizeram”, proclamou o Presidente turco no Parlamento, esta quarta-feira.
“Abrir fogo sobre pessoas inocentes e expô-las a todos os tipos de tratamento desumano (…) é uma barbárie no sentido pleno da palavra”, acrescentou o líder turco.
Turquia e Grécia estão de costas voltadas desde que Ancara mandou “abrir os portões” e incentivou os refugiados a rumarem à Europa, no final de Fevereiro, incumprindo o polémico acordo assinado com a União Europeia em 2016 – segundo o qual a Turquia se comprometeu a travar a chegada de migrantes ao espaço europeu a troco de 6 mil milhões de euros.
A justificação dos turcos prende-se com a ofensiva final de Bashar al-Assad sobre Idlib – território sírio controlado pelos rebeldes que se opõem ao regime –, que Erdogan diz que vai empurrar mais 1,5 milhões de refugiados para a Turquia, juntando-se aos 3,6 milhões que o país já acolheu.
Devido à chegada de dezenas de milhares de migrantes às suas fronteiras e à sobrelotação das ilhas gregas, nos últimos dias, a Grécia deixou de aceitar pedidos de asilo, está a repelir e a deportar os que chegam e solicitou a ajuda dos restantes Estados-membros para o acolhimento dos cerca de 5500 menores desacompanhados que se encontram nos seus campos de refugiados.
A presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen reúne-se na quinta-feira, em Atenas, com o primeiro-ministro grego, Mitsotakis, para discutir a operacionalização da distribuição dessas crianças por cinco países da UE, incluindo Portugal.